"ODE AO VINHO"
Vinho cor do dia
vinho cor da noite
vinho com pés púrpura
o sangue de topázio
vinho,
estrelado filho
da terra
vino, liso
como uma espada de ouro,
suave
como um desordenado veludo
vinho encaracolado
e suspenso,
amoroso, marinho
nunca coubeste em um copo,
em um canto, em um homem,
coral, gregário és,
e quando menos mútuo.
O vinho
move a primavera
cresce como uma planta de alegria
cai muros,
penhascos,
se fecham os abismos,
nasce o canto.
Oh tú, jarra de vinho, no deserto
com a saborosa que amo,
disse o velho poeta.
Que o cântaro do vinho
ao peso do amor some seu beijo.
Amo sobre uma mesa,
quando se fala,
à luz de uma garrafa
de inteligente vinho.
Que o bebam,
que recordem em cada
gota de ouro
ou copo de topázio
ou colher de púrpura
que trabalhou no outono
até encher de vinho as vasilhas
e aprenda o homem obscuro,
no cerimonial de seu negócio,
a recordar a terra e seus deveres,
a propagar o cântico do fruto.
(Pablo Neruda)
sábado, 30 de junho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Fim das ilusões?
A vingança da porta
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
- Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:
Nada! Traze o jantar! - Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar.. - pára, hesitando...
Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele se vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.
(Alberto de Oliveira)
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes.
- Que te fez essa porta? a mulher vinha
E interrogava. Ele cerrando os dentes:
Nada! Traze o jantar! - Mas à noitinha
Calmava-se; feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
Entra mais devagar.. - pára, hesitando...
Nisto nos gonzos range a velha porta,
Ri-se, escancara-se. E ele se vê na sala,
A mulher como doida e a filha morta.
(Alberto de Oliveira)
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