quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Ouvindo o mar
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
(Fernando Pessoa)
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terça-feira, 27 de outubro de 2009
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ambros e a luz
impura, até doer.
(Eugénio de Andrade)
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ambros e a luz
impura, até doer.
(Eugénio de Andrade)
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Eugênio de Andrade
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
não sei do sol, sei do último vento
Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.
Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.
Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
(Alejandra Pizarnik)
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Alexandra Pizarnik;Imagem Monet
domingo, 25 de outubro de 2009
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.
(Fernando Pessoa)
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Foto Grace Olsson
sábado, 24 de outubro de 2009
Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.
(Alejandra Pizarnik)
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Alexandra Pizarnik
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
a mesma coisa variada em cópias iguais
Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo ]
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um,
e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque ouço, vejo.
Porque ouço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa,
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quarta-feira, 21 de outubro de 2009
terça-feira, 20 de outubro de 2009
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Entardecer
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele!
Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Imagem Net
domingo, 18 de outubro de 2009
ópios
édens
analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer,
vai ser minha última obra.
(Paulo Leminski)
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Paulo Leminski
sábado, 17 de outubro de 2009
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
dever de sonhar,
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E, assim,
E, assim,
me construo a ouro e sedas,
em salas supostas,
invento palco,
cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Foto Flores da Primavera
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Para o dia 15 de outubro
Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu,
nem doeu,
nem perturbou,
seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
natural como um dia mostrando tudo,
meu mestre,
meu coração não aprendeu a tua solenidade,
meu coração não aprendeu nada e nada,
meu coração está perdido.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Imagem da net
É de manhã...
Estou melancólica.
É de manhã.
Mas conheço o segredo das manhãs puras.
E descanso na melancolia.
(Clarice Lispector)
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Clarice Lispector.
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Não te trouxe nenhum doce
nem presente
nenhum enfeite
nenhuma lembrança que fosse.
Quero ter as mãos vazias para o abraço
um grande abraço
maior que a noite
melhor que o dia.
(Alice Ruiz)
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Alice Ruiz; Imagem Van Gogh
terça-feira, 13 de outubro de 2009
domingo, 11 de outubro de 2009
"Não tenho ambições nem desejos,
ser poeta não é uma ambição minha,
é a minha maneira de estar sozinho"
( Fernando Pessoa)
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Poesia Fernando Pessoa; Imagem Tamayo
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Um silêncio implacável...
O dia não é hora por hora.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta, mar, diz o mar,
sem trégua, terra, diz a terra,
o homem espera.
E só seu sino está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá quando levante
sua língua de metal onda após onda.
De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia do mar,
e um sino.
Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço. E vive o mar.
Existem os sinos.
É dor por dor,
o tempo não se dobra,
não se gasta, mar, diz o mar,
sem trégua, terra, diz a terra,
o homem espera.
E só seu sino está ali entre os outros
guardando em seu vazio
um silêncio implacável
que se repartirá quando levante
sua língua de metal onda após onda.
De tantas coisas que tive,
andando de joelhos pelo mundo,
aqui, despido,
não tenho mais que o duro meio-dia do mar,
e um sino.
Eles me dão sua voz para sofrer
e sua advertência para deter-me.
Isto acontece para todo o mundo,
continua o espaço. E vive o mar.
Existem os sinos.
(Pablo Neruda)
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Poesia Pablo Neruda; Imagem Rufino Tamayo
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Tal é a nostalgia: habitar sobre as ondas
e jamais ter abrigo no tempo.
E tais são os desejos: diálogo em surdina
da hora cotidiana com a eternidade.
Tal é a vida. Até o dia em que de ontem
se eleva a mais solitária dentre todas essas horas,
e, sorrindo diferentemente das irmãs,
em silêncio se oferece ao eterno.
Cala-se, como uma oferta ao eterno.
(Rainer Maria Rilke)
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Imagem Friedel Dzubas,
Poesia Rainer Maria Rilke
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Um dia - alegria, outro - ausência
E nada vibrou...
Não se ouviu nada...
Nada...
Mas o cristal nunca mais deu o mesmo som.
Cala, amigo...
Cuidado, amiga...
Uma palavra só
Pode tudo perder para sempre...
E é tão puro o silêncio agora!
(Mário Quintana)
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domingo, 4 de outubro de 2009
Uma homenagem à Mercedes Sosa
Poema 15 - na voz, agora silenciosa, de Mercedes Sosa
Me gusta cuando callas porque estás como ausente
y me oyes desde lejos y mi voz no te toca,
parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la bo oca.
Me gustas cuando callas y estás como distante
Me gustas cuando callas y estás como distante
y estás como quejándote mariposa en arrullo,
y me oyes desde lejos y mi voz no te alcanza
déjame que me calle con el silencio tu - uyo.
Déjame que te hable también con tu silencio
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara simple como un anillo,
te pareces a la noche callada y constelada
tu silencio es la estrella tan lejano y senci - illo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente
Me gustas cuando callas porque estás como ausente
distante y dolorosa como si hubieras muerto,
una palabra entonces, una sonrisa bastan
y estoy alegre, alegre de que no sea cierto,
una palabra entonces, una sonrisa bastan
y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.
Por seco e calmo ódio,
quero isso mesmo,
este silêncio feito de calor
que a cigarra rude torna sensível.
Sensivel?
Sensivel?
Não se sente nada.
Senão esta dura falta de ópio que amenize
(Clarice Lispector)
Senão esta dura falta de ópio que amenize
(Clarice Lispector)
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Clarice Lispector; Imagem Van Gogh
sábado, 3 de outubro de 2009
Entre chegadas e partidas...
Entre riso e sangue,
cabeça e espada,
entrada e saída,
flor e escarro,
sempre a vida,
a vida sem mais nada,
entre estrela e barro.
Entre homens e bichos,
entre rua e escadas,
entre grito e nojo,
a vida com seus lixos
e mãos violadas,
entre mar e tojo.
Entre uivo e poema,
entre trégua e luta,
vida no cinema,
no café, na cama,
vida absoluta.
(António Rebordão Navarro)
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António Rebordão Navarro; Imagem da Net
sexta-feira, 2 de outubro de 2009
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
...os barcos!...
De repente, não sei como
Me atirei no contracéu.
À tona d’água ficou
Ficou dançando o chapéu.
E entre cascos afundados,
Entre anênomas azuis,
Minha boca foi beber
Na taça do Rei de tule.
Só minh’alma aqui ficou
Debruçada na amurada,
Olhando os barcos… os barcos!…
Que vão fugindo do cais.
(Mário Quintana)
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Poesia Mário Quintana; Imagem Van Gohn
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