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segunda-feira, 8 de março de 2010

8 de março


... a única verdade é que vivo.
Sinceramente eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais.
É curioso como não sei dizer quem sou."
"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
"E se me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Hoje



Ando de um lado para outro, dentro de mim.
Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Diálogo

- Sabe, eu tinha vontade, mamãe, de experimentar às vezes ficar doido.
- Mas pra quê? (Eu sei, eu sei o que você vai dizer, sei porque em mim o meu bisavô deve ter dito o mesmo, eu sei que é através de quinze gerações que uma só pessoa se forma, e que essa futura pessoa me usou para me atravessar e usará o filho de meu filho, assim como um pássaro pousado numa seta que vagarosamente avança.)
- Pra me libertar, assim eu ficava livre...
(Mas haverá a liberdade sem a prévia permissão da loucura. Nós ainda não podemos: somos apenas os gradativos passos dela, dessa pessoa que vem.)
(Clarice Lispector)

terça-feira, 13 de outubro de 2009


Folhas esmagadas me lembram o chão da infância.
(Clarice Lispector)

sábado, 30 de maio de 2009

Palavras...


Já que se há de escrever,
que pelo menos não se esmaguem com palavras
as entrelinhas.
(Clarice Lispector)

terça-feira, 12 de maio de 2009

Cai a noite ...


Hoje estou muito delicada,
me interessam principalmente
flores e passarinhos.

( Clarice Lispector )

sábado, 21 de março de 2009

Um pouco de sonho...


Quando pequena eu rodava,
rodava e
rodava em torno de mim mesma
até ficar tonta e cair.
Cair não era bom mas a tonteira era deliciosa.
Ficar tonta era o meu vício.
Adulta eu rodo mas quando fico tonta
aproveito de seus poucos instantes para voar.

Clarice Lispector

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Final de sábado ...

Sou o que se chama de pessoa impulsiva.
Como descrever?
Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.
O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.

Clarice Lispector

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Como nascem as estrelas

Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas. Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer.Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça. — Vamos voltar e trazer conosco uns curumins.(Assim chamavam os índios as crianças.) Curumim dá sorte.E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e numa clareira da floresta — eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os gatinhos também colheram muitas e fugiram das mães voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e os curumins se encheram de bolo que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que reclamariam por eles comerem tanto. Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio porque os dois contariam tudo. Mas — e se as mães dessem falta da avó e do papagaio tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu. Quando as índias voltaram ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram, essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes.
Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre.
E, como se sabe, “sempre” não acaba nunca.
Clarice Lispector

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

... muda explosão interna

"(...) Sinta-se bem.
Eu na minha solidão quase vou explodir.
Morrer deve ser muda explosão interna.
O corpo não aguenta mais ser corpo.
E se morrer tiver o gosto de comida quando se está com muita fome?
E se morrer for um prazer, egoísta prazer?"

(Clarice Lispector - Água Viva)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A felicidade é clandestina


Às seis horas da manhã, a mulher entra no mar: este, o mais ininteligível das existências não humanas; ela, o mais ininteligível dos seres vivos.
Ela vai entrando, cumprindo uma coragem. Avançando, abre o mar pelo meio. Ela brinca com a água. Com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes.
“E era isso o que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.Agora ela está toda igual a si mesma.”
Mergulha de novo, de novo bebe mais água. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, não recebe transmissões. Depois caminha na água e volta à praia. Agora, pisa na areia.
“E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.”

Clarice Lispector - Felicidade Clandestina

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Faz de conta! Para que ter ilusão?



Faz de conta que ela era uma princesa azul pelo crepúsculo que viria, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que sangue escarlate não estava em silêncio branco escorrendo e que ela não estivesse pálida de morte, estava pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz-de-conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz-de-conta verde cintilante de olhos que vêem, faz de conta que ela amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de marinheiros que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos da gratidão mais límpida, faz de conta que tudo o que tinha não era de faz-de-conta, faz de conta que se descontraíra o peito e a luz dourada a guiava pela floresta de açudes e tranqüilidade, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando.

(Clarice Lispector)