quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Vou com um passo ...
Vou com um passo como de ir parar
Pela rua vazia
Nem sinto como um mal ou mal-'star
A vaga chuva fria...
Vou pela noite da indistinta rua
Alheio a andar e a ser
E a chuva leve em minha face nua
Orvalha de esquecer ...
Sim, tudo esqueço.Pela noite sou
Noite também
E vagaroso eu ...] vou,
Fantasma de magia.
No vácuo que se forma de eu ser eu
E da noite ser triste
Meu ser existe sem que seja meu
E anônimo persiste ...
Qual é o instinto que fica esquecido
Entre o passeio e a rua?
Vou sob a chuva, amargo e diluído
E tenho a face nua.
(Fernando Pessoa)
Pela rua vazia
Nem sinto como um mal ou mal-'star
A vaga chuva fria...
Vou pela noite da indistinta rua
Alheio a andar e a ser
E a chuva leve em minha face nua
Orvalha de esquecer ...
Sim, tudo esqueço.Pela noite sou
Noite também
E vagaroso eu ...] vou,
Fantasma de magia.
No vácuo que se forma de eu ser eu
E da noite ser triste
Meu ser existe sem que seja meu
E anônimo persiste ...
Qual é o instinto que fica esquecido
Entre o passeio e a rua?
Vou sob a chuva, amargo e diluído
E tenho a face nua.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
I know not what tomorrow will bring.
[Não sei o que o amanhã trará.]
(Fernando Pessoa)
[Não sei o que o amanhã trará.]
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa
domingo, 27 de dezembro de 2009
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Outro Natal...
Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.
Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...
Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...
(Miguel Torga)
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Miguel Torga
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Deixar em liberdade
Soltas a sigla, o pássaro, o losango.
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real — este obscuro mito.
(Murilo Mendes)
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real — este obscuro mito.
(Murilo Mendes)
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Perder tempo comporta uma estética. Há, para os subtis nas sensações, um formulário da inércia que inclui receitas para todas as formas de lucidez.
A estratégia com que se luta com a noção das conveniências sociais, com os impulsos dos instintos, com as solicitações do sentimento exige um estudo que qualquer mero esteta não suporta fazer. A uma acurada etiologia dos escrúpulos deve seguir-se uma diagnose irónica das subserviências à normalidade. Há a cultivar, também, a agilidade contra as intrusões da vida; um cuidado deve couraçar-nos contra sentir as opiniões alheias, e uma mole indiferença encamar-nos a alma contra os golpes surdos da coexistência com os outros.
(Fernando Pessoa)
A estratégia com que se luta com a noção das conveniências sociais, com os impulsos dos instintos, com as solicitações do sentimento exige um estudo que qualquer mero esteta não suporta fazer. A uma acurada etiologia dos escrúpulos deve seguir-se uma diagnose irónica das subserviências à normalidade. Há a cultivar, também, a agilidade contra as intrusões da vida; um cuidado deve couraçar-nos contra sentir as opiniões alheias, e uma mole indiferença encamar-nos a alma contra os golpes surdos da coexistência com os outros.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa
sábado, 19 de dezembro de 2009
Comecei a enumerar nos dedos
quem poderia sentir a minha falta:
sobraram dedos.
Todos estes que estou olhando agora...
(Caio Fernando de Abreu)
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Caio Fernando de Abreu; Imagem Magritte
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Lembranças
Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem,é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito, sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança. (Mia Couto)
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Poema Mia Couto; Imagem Penelope Dullaghan
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Hoje
Ando de um lado para outro, dentro de mim.
Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.
(Clarice Lispector)
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Clarice Lispector
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Faz parte
Não somos nem bons nem maus:
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho
e arte.
Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação. Somos gente:
dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali ternura
faz parte.
(Lya Luft)
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Imagem Klimt,
Lya Luft
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Calor do dia
Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Diego Rivera
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Finais de ano
Precisava levar uma rosa para a professora.
Meus colegas carregavam arranjos dia sim dia não.
Menos eu, que amava desperfumando.
Uma rosa que fosse sapato de abelha,
barco de pássaro, cadarço de espinho.
Podia ser rosa apenas.
Com o talo do tamanho de uma gravata,
que não ultrapassasse o cinto.
Uma rosa ainda aspergida, luzindo,
joelho escapando da saia.
Arriscado tomá-la dos jardins e quintais.
Havia sempre um conhecido na janela.
Um amigo de parente. Um cachorro latindo.
Percorria o cemitério antes da escola,
para ganhar dois quarteirões de vento.
As ruas tortas e as camas
sem a pressa dos hospitais.
Os acenos entre as letras. O acento
de pedra para o lado errado. As datas
fotografando o tempo deitado.
Em nome de minha professora,
roubei várias rosas das lápides.
Larápio, mudava de túmulo.
O coração morrendo de vergonha.
Arrumava a folhagem do vaso para despistar,
como quem preenche a falta de um livro
distribuindo os que ficaram.
Todo ano que passa, estou
devendo uma rosa nova a um morto
(Fabrício Carpinejar)
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Fabrício Carpinejar; Imagem Kandinsky
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Talvez
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa,
Imagem Monet
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
Acordando para a realidade
Deteve o passo
e tombou
na água funda e misteriosa.
Na outra margem,
acordou
do pesadelo da vida.
(Helena Kolody)
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Helena Kolody; Imagem Magritte
domingo, 6 de dezembro de 2009
Domingos ... nunca domingos
Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Imagem Magritte
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Depois da primavera...
"País de Gales depois da primavera"
Vi um mar suspirando à tardinha
era um mar suspirando
à tardinha um mar
nada chorava e
todo violão adormecia só de cansaço
vi um mar à tardinha
suspirava como se suspirasse
à tardinha inarejando
se remexia o ar recém-ventado
re-inventado pelos suspiros do mar
vi à tardinha um mistério sem nenhum enigma
era um mar se espreguiçando por cima da areia
(Ana Cristina César)
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Ana Cristina César; Imagem Claude Monet
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Diálogo
- Sabe, eu tinha vontade, mamãe, de experimentar às vezes ficar doido.
- Mas pra quê? (Eu sei, eu sei o que você vai dizer, sei porque em mim o meu bisavô deve ter dito o mesmo, eu sei que é através de quinze gerações que uma só pessoa se forma, e que essa futura pessoa me usou para me atravessar e usará o filho de meu filho, assim como um pássaro pousado numa seta que vagarosamente avança.)
- Pra me libertar, assim eu ficava livre...
(Mas haverá a liberdade sem a prévia permissão da loucura. Nós ainda não podemos: somos apenas os gradativos passos dela, dessa pessoa que vem.)
(Clarice Lispector)
- Mas pra quê? (Eu sei, eu sei o que você vai dizer, sei porque em mim o meu bisavô deve ter dito o mesmo, eu sei que é através de quinze gerações que uma só pessoa se forma, e que essa futura pessoa me usou para me atravessar e usará o filho de meu filho, assim como um pássaro pousado numa seta que vagarosamente avança.)
- Pra me libertar, assim eu ficava livre...
(Mas haverá a liberdade sem a prévia permissão da loucura. Nós ainda não podemos: somos apenas os gradativos passos dela, dessa pessoa que vem.)
(Clarice Lispector)
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