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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Compromissos



Transportam meus ombros secular compromisso.
Vigílias do olhar não me pertencem;
trabalho dos meus braços
é sobrenatural obrigação.

Perguntam pelo mundo
olhos de antepassados;
querem, em mim, suas mãos
o inconseguido.
Ritmos de construção
enrijeceram minha juventude,
e atrasam-me na morte.
Vive! - chamam os que se foram,
ou cedo ou irrealizados.
Vive por nós! - murmuram suplicantes.

Vivo por homens e mulheres
de outras idades, de outros lugares, com outras falas.
Por infantes e velhinhos trêmulos.
Gente do mar e da terra,
suada, salgada, hirsuta.
Gente da névoa, apenas murmurada.

É como se ali na parede
estivessem a rede e os remos,
o mapa,
e lá fora crescessem uva e trigo,
e à porta se chegasse uma ovelha,
que me estivesse mirando em luar,
e perguntando-se, também.

Esperai! Sossegai!

Esta sou eu - a inúmera.
Que tem tem de ser pagã como as árvores
e, como um druida, mística.
Com a vocação do mar, e com seus símbolos.
Com o entendimento tácito,
instintivo,
das raízes, das nuvens,
dos bichos e dos arroios caminheiros.

Andam arados, longe, em minh'a alma.

Andam os grandes navios obstinados.

Sou minha assembléia,
noite e dia, lucidamente.

Conduzo meu povo
e a ele me entrego.
E assim nos correspondemos.

Faro do planeta e do firmamento,
bússola enamorada da eternidade,
um sentimento lancinante de horizontes,
um poder de abraçar, de envolver
as coisas sofredoras,
e levá-las nos ombros, como os anhos e as cruzes.

E somos um bando sonâmbulo
passeando com felicidade
por lugares sem sol nem lua.

(Cecília Meireles)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A primavera vem chegando no sul...



A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Traze-me


Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura
dos luares que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
-Vê que nem te digo - esperança!
-Vê que nem sequer sonho - amor!
(Cecília Meireles)

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Silêncio e Solidão




Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas,
e foram sempre positivas para mim: Silêncio e Solidão.
Essa foi sempre a área de minha vida.
Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos,
onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar.
Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidadese seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Palavras ditas...


E diz-me a desconhecida:

“Mais depressa! Mais depressa!
Que eu vou te levar a vida!…
Finaliza! Recomeça!
Transpõe glórias e pecados!…”

Eu não sei que voz seja essa
Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados…

Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,
Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera…

Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura…
Tudo em volta sente medo…

E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo…
Lá me vou, sem despedida…
Às vezes, quem vai, regressa…

E diz-me a Desconhecida:

“Mais depressa! Mais depressa!…”
(Cecília Meireles)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sempre há muitas nuvens

Discurso – Cecília Meireles

E aqui estou, cantando.
Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixe seu ritmo onde passa.
Venho de longo e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute ?
Ah! se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que algum ouvido me escute ?
Ah! se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim ?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A vida nunca será partida...

Chegar,

Como brisa que atravessa a janela.
Soprando de leve,
As brumas do passado.

Chegar,
Como o barco.
Trazendo alegrias,
Após enfrentar as procelas sombrias.

Chegar,
Como a saudade.
Que bate,
De manso, no coração.

Chegar,
Como Chuva, fininha,
Mansinha, criadeira, Necessária e tão querida.

Ficar,
Nas lembranças do passado,
Nas estampas do presente,
A retratar nosso ontem no hoje.

Ficar,
Para sempre.
Na imagem nunca esquecida,
Dos que nos são tão queridos.

A vida,
É chegar e ficar,
Para sempre.

Vida nunca será partida.

(Cecília Meireles)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A leveza e os mistérios do MAR...


O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.
Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.
Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.
Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.
Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,mas sem fraqueza nenhuma.
E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.
Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.
Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.
E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.
Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.
E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.
E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar: ah!
do Mar Absoluto.

(Cecília Meireles)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Esperarei pelo tempo...



O tempo seca a beleza,
seca o amor,
seca as palavras,
Deixa tudo solto,
leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas,
Esperarei que te seque,
não na terra,
Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

(Cecília Meireles)




domingo, 12 de outubro de 2008

Neste final de domingo... o que sinto é melancolia e solidão


Depois do Sol
Fez-se noite com tal mistério,
Tão sem rumor, tão devagar,
Que o crepúsculo é como um luar
Iluminando um cemitério . . .
Tudo imóvel . . .
Serenidades . . .
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!
Oh! Paisagens minhas de antanho . . .
Velhas, velhas . . .
Nem vivem mais . . .
— As nuvens passam desiguais,
Com sonolência de rebanho . . .
Seres e coisas vão-se embora . . .
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar,
Que parece Nossa Senhora
Pelos silêncios a sonhar . . .
(Cecília Meireles)

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Um pouco de leveza para as dores, perdas e tristezas...


Chegar

Chegar,
Como brisa que atravessa a janela.
Soprando de leve,
As brumas do passado.
Chegar,
Como o barco.
Trazendo alegrias,
Após enfrentar as procelas sombrias.
Chegar,
Como a saudade.
Que bate,
De manso,
no coração.
Chegar,
Como Chuva,
fininha,
Mansinha,
criadeira,
Necessária e tão querida.
Ficar,
Nas lembranças do passado,
Nas estampas do presente,
A retratar nosso ontem no hoje.
Ficar,
Para sempre.
Na imagem nunca esquecida,
Dos que nos são tão queridos.
A vida,
É chegar e ficar,
Para sempre.
Vida nunca será partida.
Cecília Meireles

sábado, 2 de agosto de 2008

Conversando com o dia ...


DE QUE SÃO FEITOS OS DIAS

De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras,
de crime,
de pecados,
de glórias,
do medo que encadeia todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces e em sinistras alianças.
Cecília Meireles

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Tem gente que veio pra ficar ...

Há pessoas que nos falam e nem as escutamos,
há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam
mas há pessoas que simplesmente
aparecem em nossas vidas e
nos marcam para sempre.
(Cecília Meireles)