quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012



“Pudesse abrir a cabeça, tirar tudo para fora, arrumar direitinho como quem arruma uma gaveta. Tomar um banho de chuveiro por dentro"


(Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Não eram flores



Não eram flores,
tampouco a aurora.

As palavras chegaram
sujas de sangue.

Delas, mal se podia
ver a face

por sob o silêncio
ressequido.

De homens
imolados a nada,

vieram frases
sem sentido,

flores da sevícia embrulhadas
no papel ruim dos jornais.

Ainda palavras.
Mas nunca tão duras.

Dei a elas esta folha
- a mais alva que pude.

(Eucanaã Ferraz)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Agora...



Agora vou embrulhar minha angústia dentro do meu lenço.
Vou amassá-la numa bola apertada.
Vou levar minha angústia e depositá-la nas raízes sob as faias.
Vou examiná-la, pegá-la entre meus dedos.
Não me encontrarão.
Morrerei lá.


(Virginia Woolf)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

é tempo de marear...



Despedida


Adeus,

que é tempo de marear!

Por que procuram pelos olhos meus

rastros de choro,

direções de olhar?

Quem fala em praias de cristal e de ouro,

abrindo estrelas nos aléns do mar?

Quem pensa num desembarcadouro?

- É hora, apenas, de marear.

Quem chama o sol?

Mas quem procura o vento?

e âncora? e bússola? e rumo e lugar?

Quem levanta do esquecimento

esses fantasmas de perguntar?

Lenço de adeuses já perdi...

Por onde?

- na terra, andando, e só de tanto andar...

Não faz mal. Que ninguém responde

a um lenço movido no ar...

Perdi meu lenço e meu passaporte

- senhas inúteis de ir e chegar.

Quem lembra a fala da ausência

num mundo sem correspondência?

Viajante da sorte na barca da sorte,

sem vida nem morte...

Adeus,

que é tempo de marear!


(Cecília Meireles)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

e transitória insônia...



Catacumbas


Somos argila, noite

onde os dedos se afundam,

hemorragia de espantoso silêncio

nas galerias do corpo.


O resto,

é pura perda

e transitória insônia.


(Hélio Pelegrino)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Catar os cacos...


Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto..............- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia..............como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculos
e aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha da mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo.............- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao ventos
e pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionísio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado.............- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça?
..........Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção......
Cacos de mim.....
Cacos do não.....
Cacos do sim.....
Cacos do antes.....
Cacos do fim.
Não é dentro......
nem fora
embora seja dentro e fora.....
no nunca e a toda hora
que violento....o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012



(e eu que achei que tinha 'muito' para poder compartilhar - escuto que eu não tenho nada para poder dar...)


perder o olhar pode ser uma poesia

uma nostalgia do futuro

sento e o vento que balança...

o trigo com delicadeza

é o mesmo que traz

os temporais

saudades demais

do que nunca

se teve


(Cáh Morandi)