sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Bóiam leves, desatentos
Bóiam leves, desatentos
Meus pensamentos de magoa,
como no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.
Bóiam como folhas mortas,
A tona de águas paradas.
São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.
Sono de ser, sem remédio,
Vestígio do que não foi,
Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se para, se flui;
Não sei se existe ou se dói.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Imagem Kandinsky
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Silenciosa
Essa lembrança que nos vem às vezes...
folha súbita que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós,
só possa mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida que nem se possa saber mais de quem!
(Mário Quintana)
folha súbita que tomba
abrindo na memória a flor silenciosa
de mil e uma pétalas concêntricas...
Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós,
só possa mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...
Ai! Tão perdida que nem se possa saber mais de quem!
(Mário Quintana)
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Mário Quintana
domingo, 17 de janeiro de 2010
Coisa miserável,
suspiro de angústia
enchendo o espaço,
vontade de chorar,
coisa miserável,
miserável.
Senhor, piedade de mim,
olhos misericordiosos
pousando nos meus,
braços divinos
cingindo meu peito,
coisa miserável
no pó sem consolo
consolai-me.
Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe
ou, quem sabe? para um céu vazio.
É melhor sorrir
(sorrir gravemente)
e ficar calado
e ficar fechado
entre duas paredes,
sem a mais leve cólera
ou humilhação.
(Carlos Drummond de Andrade)
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Imagem Guayasamin,
Poesia Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Morrer tantas vezes durante a vida
A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar viva todo dia
Há dores que sinceramente eu não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas.
Há porradas que não tem saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já to ficando especialista em renascimento.
Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque eu não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!
Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra ter depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reinventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida.
(Elisa Lucinda)
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Elisa Lucinda,
Imagem Salvador Dali
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
Olhos ... fitos...
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
(Fernando Pessoa)
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Fernando Pessoa; Imagem Salvador Dali
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Folha por folha
Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescem as vidas:
sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.
Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi as minhas lições
e aprendi a ser raiz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.
(Pablo Neruda)
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Pablo Neruda; Imagem Monet
domingo, 10 de janeiro de 2010
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Sem leitura ... sem poesia...
É como se se negassem à água,
à respiração,
ao sabor das frutas.
(Jorge Luís Borges)
à respiração,
ao sabor das frutas.
(Jorge Luís Borges)
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Jorge Luís Borges
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Amanhecer na lembrança
Luar nos cabelos.
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.
(Helena Kolody)
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.
(Helena Kolody)
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Helena Kolody
domingo, 3 de janeiro de 2010
Monotonia
É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia…
E a própria dor – quem diria?-
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma…
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida tão comprida…
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava!
(Mário Quintana)
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia…
E a própria dor – quem diria?-
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma…
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida tão comprida…
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava!
(Mário Quintana)
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Mário Quintana
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
2010 regido por Iemanjá
lemanjá é dona Janaína que vem
Vem do luar no céu
Vem do luar
No mar coberto de flor
Para ouvir lemanjá
A cantar, na maré que vai
E na maré que vem
Do fim, mais do fim, do mar
Bem mais além
Do que o fim do mar
(Vinícios de Moraes)
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