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sexta-feira, 27 de maio de 2011

Onde mora a saudades...

Fui em busca de vãs utopias.
Lutei contra moinhos de vento.
Dei murros em ponta de faca.

Quis reter o ultimo raio de sol
Do poente...
E a última gota de água
Da chuva...

Guardei vaga-lumes brilhantes
Em redomas translúcidas...
Guardei os girinos do rio
Em aquários de vidro...

Enchi vidros de água
Com giz colorido.
Quis reter suas cores...
Acreditei... que não desbotariam.

Desbotam...

As águas... As roupas no varal... As aquarelas...
Desbotam os olhos... e as fotografias...

Não venci os moinhos de vento...
Tenho as mãos machucadas
Das pontas de faca....

O sol não me deu o seu último raio...
E a chuva negou-me sua última gota...

Vaga-lumes não fizeram brilhar
Minha lanterna mágica...
E os girinos do rio não se tornaram
Peixes coloridos...

Viraram sapos!

Que inda hoje coaxam
No brejo das almas...
Onde mora a saudade...

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 17 de janeiro de 2010


Coisa miserável,
suspiro de angústia
enchendo o espaço,
vontade de chorar,
coisa miserável,
miserável.

Senhor, piedade de mim,
olhos misericordiosos
pousando nos meus,
braços divinos
cingindo meu peito,
coisa miserável
no pó sem consolo
consolai-me.

Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe
ou, quem sabe? para um céu vazio.

É melhor sorrir
(sorrir gravemente)
e ficar calado
e ficar fechado
entre duas paredes,
sem a mais leve cólera
ou humilhação.

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 19 de setembro de 2009

... mesmo assim um ímpar - igual



IGUAL - DESIGUAL

Eu desconfiava:todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol sãoiguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais e
todos, todos os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho ímpar.

(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 14 de junho de 2009

O dia dura menos que um dia...



O dia dura menos que um dia.

O corpo ainda não parou de brincar

E já estão chamando da janela:

É tarde.
Ouço sempre este som: é tarde, tarde.

A noite chega de manhã?

Só existe a noite e seu sereno?
O mundo não é mais, depois das cinco?

É tarde.

A sombra me proíbe.

Amanhã, mesma coisa.

Sempre tarde antes de ser tarde.

(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Formas raras, secretas, duras ...



"Saber que há tudo.

E mover-se em

meio a milhões e milhões de formas

raras, secretas, duras.

Eís ai meu canto"


(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Amanheci com Drummond...


Fácil é ver o que queremos enxergar.
Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto.
Admitir que nos deixamos levar, mais uma vez, isso é difícil.
(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 13 de março de 2009

A vida se costura com alguns encontros e com muitas perdas


Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Última fatia de 2008...


“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar
no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade
de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente…”
(Carlos Drummond de Andrade)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

... o existido continua a doer eternamente.

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor.
Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três.
E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser?
Dói?
É bom?
É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer? S
ou obrigado a?
Posso escolher?
Não dá para entender.
Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
(Carlos Drummond de Andrade)