"Para me refazer volto a meu estado de jardim e sombra,
fresca realidade, mal existo e se existo é com delicado cuidado.
Em redor da sombra faz calor de suor abundante.
Estou viva.
Mas sinto que ainda não alcancei os meus limites, fronteiras com o quê?
sem fronteiras, a aventura da liberdade perigosa.
Mas arrisco, vivo arriscando.
Estou cheia de acácias balançando amarelas,
e eu que mal e mal comecei a minha jornada,
começo-a com um senso de tragédia,
adivinhando para que oceano perdido vão os meus passos de vida.
E doidamente me apodero dos desvãos de mim,
meus desvarios me sufocam de tanta beleza.
Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca."
Clarice Lispector
domingo, 31 de agosto de 2008
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
Um pouco de leveza para as dores, perdas e tristezas...
Chegar
Chegar,
Como brisa que atravessa a janela.
Soprando de leve,
As brumas do passado.
Chegar,
Chegar,
Como o barco.
Trazendo alegrias,
Após enfrentar as procelas sombrias.
Chegar,
Chegar,
Como a saudade.
Que bate,
De manso,
no coração.
Chegar,
Chegar,
Como Chuva,
fininha,
Mansinha,
criadeira,
Necessária e tão querida.
Ficar,
Ficar,
Nas lembranças do passado,
Nas estampas do presente,
A retratar nosso ontem no hoje.
Ficar,
Ficar,
Para sempre.
Na imagem nunca esquecida,
Dos que nos são tão queridos.
A vida,
A vida,
É chegar e ficar,
Para sempre.
Vida nunca será partida.
Cecília Meireles
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Poesia Cecília Meireles
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Chorar...
O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio.
Só esgotam e exaurem.
Uma amiga perguntou-me, então,
se não seria esse choro como o de uma criança com a angústia da fome.
Era.
Quando se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se: não vai adiantar.
É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar.
É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando enxague a ponto de empalidecer”
Clarice Lispector in: A Descoberta do Mundo .
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Poesia - Clarice Lispector
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Sentido à Vida
Não Sei
Não sei… se a vida é curta
ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais,
Mas que seja intensa,
verdadeira, pura…
Enquanto durar"
(Cora Coralina)
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Poesia Cora Coralina
domingo, 24 de agosto de 2008
Domingo
"Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado."
Clarice Lispector
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imagem Miró,
Poesia Clarice Lispector
sábado, 23 de agosto de 2008
A melancolia do entardecer
AO ENTARDECER
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele!
Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
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Poesia Fernando Pessoa
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
SILÊNCIOS E LIBERDADES
"O que sou?
Onde vou?
Tudo em vão!
Tempo de silêncio
E solidão..."
(Vander Lee)
"Que a liberdade seja a nossa própria substância."
(Simone de Beauvoir)
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Vander Lee / Simone de Beauvoir
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Esperança ...
“A esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da esperança”
(Augusto dos Anjos)
(Augusto dos Anjos)
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Poesia Augusto dos Anjos
Canção, chuvas e arco-íris
Elizabeth Bishop
Oculta, oculta,na névoa, na nuvem,
a casa que é nossa,
sob a rocha magnética,
exposta a chuva e arco-íris,
onde pousam corujas
e brotam bromélias
negras de sangue, liquens
e a felpa das cascatas,vizinhas, íntimas.
Numa obscura era
de água
o riacho canta de dentro
da caixa torácica
das samambaias gigantes;
por entre a mata grossa o vapor sobe, sem esforço,
e vira para trás, e envolve
rocha e casa
numa nuvem só nossa.
À noite, no telhado,
gotas cegas escorrem,
e a coruja canta sua coplanos prova
que sabe contar:
cinco vezes — sempre cinco —bate o pé e decola
atrás das rãs gordas, que
coaxam de amor
em plena cópula.
Casa, casa aberta
para o orvalho branco
e a alvorada cor
de leite, doce à vista;
para o convívio franco
com lesma, traça,
camundongo
e mariposas grandes;
com uma parede para o mapa
ignorante do bolor;
escurecida e manchada
pelo toque cálido
e morno do hálito,maculada, querida,
alegra-te! Que em outra era
tudo será diferente.
(Ah, diferença que mata,
ou intimida, boa parte
da nossa mínima,humilde vida!)
Sem água
a grande rocha ficará
desmagnetizada, nua
de arco-íris e chuva,
e o ar que acaricia
e a neblina
desaparecerão;
as corujas irão embora,
e todas as cascatas
hão de murchar ao soldo eterno verão.
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Poesia Elizabeth Bishop
quarta-feira, 20 de agosto de 2008
As construções das amizades
Amigo é Casa
Composição: Capiba / Hermínio Bello De Carvalho
Amigo é feito casa que se faz aos poucos e com paciência pra durar pra sempre
Composição: Capiba / Hermínio Bello De Carvalho
Amigo é feito casa que se faz aos poucos e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente que às chuvas e aos ventos possa então a proteger
E há que fincar muito jequitibá e vigas de jatobá e adubar o jardim
e plantar muita flor toiceiras de resedás não falte um caramanchão
pros tempos idos lembrar que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá cheínhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis choro de imaginar!
pra festa da cumieira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira e quentão farto em gengibre aquecendo os corações
A casa é amizade construída aos poucos e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara e altas platibandas,
com portão bem largo que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem quando não tem, finge que tem, faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.
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Música Zélia Duncan
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
Deve haver um porto!
“Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto.”
(Caio Fernando de Abreu)
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Imagem Picasso,
Poesia Caio Fernando de Abreu
domingo, 17 de agosto de 2008
São tantas coisas ...
Tem tantas coisas que desadoçam os poetas
Que revelam os seus sabores ácidos
Amargos
Impróprios para serem degustados...
Que arranham a leitura,
Que desafinam a melodia,
Seja a impostura das palavras,
Seja a ausência de palavras.
(...)
Viver não é um pacto,
Uma pré-destinação,
Uma tarefa acadêmica...
Viver é uma poesia doce,
Ainda que possa ser dura e crítica!
Uma poesia que subverta,
Que transforma a monotonia.
Que negue o moralismo,
Os falsos discursos libertários!
(...)
Tristes são os sorrisos sem graça!
Tristes são os poetas sem doçura!
Tristes é a ausência de ternura!
(...)
Que revelam os seus sabores ácidos
Amargos
Impróprios para serem degustados...
Que arranham a leitura,
Que desafinam a melodia,
Seja a impostura das palavras,
Seja a ausência de palavras.
(...)
Viver não é um pacto,
Uma pré-destinação,
Uma tarefa acadêmica...
Viver é uma poesia doce,
Ainda que possa ser dura e crítica!
Uma poesia que subverta,
Que transforma a monotonia.
Que negue o moralismo,
Os falsos discursos libertários!
(...)
Tristes são os sorrisos sem graça!
Tristes são os poetas sem doçura!
Tristes é a ausência de ternura!
(...)
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Poesia Vani Alizo
sábado, 16 de agosto de 2008
Era uma Onda ... era um Mar ...
A ONDA
Era uma onda que crescera para lá do meio do mar e mais se alçava em corpulência das ondas que tragava pelo caminho. Era uma onda ávida. Com ela rolavam búzios alucinados, estilhaços de conchas, madeiros, plâncton, algas, o último alento dos afogados...
Era uma onda violenta.
A exaltação que trazia dos confins do horizonte nem lhe dera para se interrogar sobre qual o desígnio do seu destino.
Era uma onda embriagada de vida.
Desfraldada em cachão, cavalgava para terra.
A rojar-se sobre os primeiros bancos de areia, esboçou enfim a pergunta:
- Porquê?
Mas já não teve tempo de responder.
António Torrado in Cinco sentidos e outros 1997
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1997,
Antônio Torrado. In: Cinco Sentidos e outros
quinta-feira, 14 de agosto de 2008
Milágrima (mil lágrimas?)
Milágrima
Em caso de dor ponha gelo
Mude o corte de cabelo.
Mude como modelo
Vá ao cinema dê um sorriso
Ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
Se amargo foi já ter sido
Troque já esse vestido
Troque o padrão do tecido
Saia do sério deixe os critérios
Siga todos os sentidos
Faça fazer sentido
A cada mil lágrimas sai um milagre
Caso de tristeza vire a mesa
Coma só a sobremesa coma somente a cereja
Jogue para cima faça cena
Cante as rimas de um poema
Sofra penas viva apenas
Sendo só fissura ou loucura
Quem sabe casando cura
Ninguém sabe o que procura
Faça uma novena reze um terço
Caia fora do contexto invente seu endereço
A cada mil lágrimas sai um milagre
Mas se apesar de banal Chorar for inevitável
Sinta o gosto do sal
Gota a gota, uma a uma
Duas, três, dez, cem mil lágrimas
Sinta o milagre
A cada mil lágrimas sai um milagre
(Itamar Assumpção e Alice Ruiz)
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
FIM DAS ILUSÕES ... DE TODAS ILUSÕES!
"Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém."
Caio Fernando de Abreu
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Poesia Caio Fernando de Abreu
terça-feira, 12 de agosto de 2008
A solidão é como uma chuva
SOLIDÃO
A solidão é como uma chuva
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã,
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...
(Rainer Maria Rilke)
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Poesia Rainer Maria Rilke
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
domingo, 10 de agosto de 2008
Saber viver
constantemente,
construir,
e não derrubar.
De quem não sabe que
esse prolongado construir
implica erros -
e saber viver
implica em não ver esses erros,
em suavizá-los e
distorcê-los
ou mesmo
eliminá-los
para que o restante da construção
não seja ameaçado"
Caio Fernando Abreu
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Poesia Caio Fernando de Abreu
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
Entardecer de quarta-feira
INCONFORMISMO
A borboleta,
eu sei que nada mais conhece
do casulo de ouro em que se fez.
E sei que a ave alça o vôo abandonando
o alvo invólucro das cascas que rompeu.
– Que importa agora o ovo?
Mas, eu não.
Eu sigo em frente,
mas quero também mais.
Eu quero em vão o cenário de ainda há pouco.
Já passou.
(Sólon Borges dos Reis)
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Poesia Sólon Borges dos Reis
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Sobra-me um silêncio ... um vazio
sobra-me um silêncio -
dos olhares e das luzes solitárias das noites frias…
Hoje não quero alegrias nem tristezas…
nem me quero a mim!
Se me virem por aqui -
ou por aí - mandem-me para casa.
Mais tarde quando estiver em mim
saberei agradecer-vos…
Paulo Afonso Ramos
Marcadores:
Poesia Paulo Afonso Ramos
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
Estou cansada...
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura,
a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente;
eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
Álvaro de Campos
Álvaro de Campos
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Poesia Álvares de Campo
domingo, 3 de agosto de 2008
Se cada dia cai...
Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
(Pablo Neruda)
"Como escritor, sua rotina era bastante rígida. Sentava-se à escrivaninha
às sete da manhã e trabalhava até o meio dia não importando o clima: com chuva
ou com sol, no frio ou no calor, com inspiração ou sem inspiração, porque, como
ele costumava dizer, assim como o apetite vem quando se come, a inspiração
nasce quando se trabalha. À sua frente, um grande caderno de folhas brancas e
sem pautas e uma caneta com tinta verde, sua cor preferida. Eram somente
esses os instrumentos visíveis do poeta operário. Após o almoço fazia uma
pausa das duas às cinco para descansar. Esse repouso era sagrado e obrigatório.
Ao entardecer recebia os amigos, com os quais mantinha longas conversações.
E mesmo dormindo tarde, no dia seguinte sempre acordava disposto a retomar
seu misterioso trabalho matinal."
TEITELBOIM, Volodia. Neruda. Santiago de Chile: Editorial Sudamericana, 2000. p. 436.
às sete da manhã e trabalhava até o meio dia não importando o clima: com chuva
ou com sol, no frio ou no calor, com inspiração ou sem inspiração, porque, como
ele costumava dizer, assim como o apetite vem quando se come, a inspiração
nasce quando se trabalha. À sua frente, um grande caderno de folhas brancas e
sem pautas e uma caneta com tinta verde, sua cor preferida. Eram somente
esses os instrumentos visíveis do poeta operário. Após o almoço fazia uma
pausa das duas às cinco para descansar. Esse repouso era sagrado e obrigatório.
Ao entardecer recebia os amigos, com os quais mantinha longas conversações.
E mesmo dormindo tarde, no dia seguinte sempre acordava disposto a retomar
seu misterioso trabalho matinal."
TEITELBOIM, Volodia. Neruda. Santiago de Chile: Editorial Sudamericana, 2000. p. 436.
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Pablo Neruda
sábado, 2 de agosto de 2008
Conversando com o dia ...
DE QUE SÃO FEITOS OS DIAS
De pequenos desejos,
De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.
De loucuras,
de crime,
de pecados,
de glórias,
do medo que encadeia todas essas mudanças.
Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces e em sinistras alianças.
Cecília Meireles
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Poesia Cecília Meireles
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