terça-feira, 31 de agosto de 2010

Processos & Processos


Lembranças do que disse:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia e,
se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos.
(Fernando Pessoa)

O que foi dito na nova travessia:

Em vez de serem apenas livres,

esforcem-se para criar um estado de coisas

que liberte a todos.

(Bertold Brecht)

domingo, 29 de agosto de 2010

Toda essa viagem

Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender -
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada!
Deixa esquecer.

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz...
Não digas nada.

(Fernando Pessoa)

sábado, 28 de agosto de 2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Um dia nublado


Hoje estou melancólica e suspirosa,
choveu muito,
a água invadiu este porão de lembranças,
bóiam na enxurrada a caminho do rio.
Deixo que naveguem,
pois não as perderei.
O rio é dentro de mim.

(Adélia Prado)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Caminhos

"Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos"

(William Shakespeare)

domingo, 8 de agosto de 2010

Agosto

"Não, os jardins não morrem no inverno, como os animais ou as pessoas, principalmente as mais velhas, apenas sofrem um pouco mais fundo do que de costume. Alguns, verdade, sucumbem. Minha vó Corruíra, por exemplo, costumava dizer: “Acho que deste agosto não passo”. E houve um do qual realmente não passou. Mas isso talvez fosse o destino, ou morre-se mais facilmente no inverno? sobretudo invernos gaúchos, quando o minuano vara frestas e fendas para cortar a pele feito navalha gelada. Enregelados, atravessamos agostos que parecem eternos e, nos setembros, suspiramos quase leves outra vez: “Meu Deus, passou”. O que vezenquando é puro engano: há pequenos agostos embutidos no entremeio dos doidos setembros." [Caio F.]

As tuas mãos

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
- como são belas as tuas mãos -
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos
e tenta acendê-los contra o vento?

Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida - que transcende a própria vida...
e que os Anjos, um dia, chamarão (certamente já chamam) de alma...

(Mário Quintana)

sábado, 7 de agosto de 2010

Lembranças & Saudades

Sabe pra mim a vida é um punhado de lantejoulas e purpurina que o vento sopra. Daqui a pouco tudo vai ser passado mesmo...

Deixa a vida assoprar, let it be, fique pelo menos com o gostinho de ter brilhado um pouco.

(Caio Fernando de Abreu)


sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Lutas, esperanças e vitórias



Certo da alegria me alcançar
me atiro do viaduto mais alto da cidade.
Durante o vôo, a certeza
do chão estar forrado de sonhos.

(Jacinto Fabio Corrêa)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Estou pensando...


Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranqüilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.

Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.

Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.

Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença.

Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.
Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.

(Adalgisa Nery)