sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Palavra ... objeto que grita











(...)
Escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra –a entrelinha- morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a.
(...)

O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar as teclas secas na úmida e escura madrugada. Há muito já não sou gente. Quiseram que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Que cria outros objetos e a máquina cria a nós todos. Ela exige. O mecanismo exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita.
(...)
Clarice Lispector - Água Viva

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Dia após dia ...


"Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros..."
(Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A gente cai no poço todos os dias!

Primeiro você cai num poço.
Mas não é ruim cair num poço assim de repente?
No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço.
A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço
do poço.
Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A
gente não sente medo?
A gente sente um pouco de medo mas não dói.
A gente não morre?
A gente morre um pouco em cada poço.
E não dói?
Morrer não dói. Morrer é entrar noutra.
E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço
você vai descobrir quê.
Caio Fernando de Abreu

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Não sei ...


Não sei se respondo ou se pergunto.
Sou uma voz que nasceu na penumbra do vazio.
Estou um pouco ébria e estou crescendo numa pedra.
Não tenho a sabedoria do mel ou a do vinho.
De súbito, ergo-me como uma torre de sombra fulgurante.
A minha tristeza é a da sede e a da chama.
Com esta pequena centelha quero incendiar o silêncio.
O que eu amo não sei.
Amo.
Amo em total abandono.
Sinto a minha boca dentro das árvores e de uma oculta nascente.
Indecisa e ardente, algo ainda não é flor em mim.
Não estou perdida, estou entre o vento e o olvido.
Quero conhecer a minha nudez e ser o azul da presença.
Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.
Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra.
António Ramos Rosa

domingo, 26 de outubro de 2008

... esfregar as mãos ... já é outra manhã de domingo


Deixei de me preocupar com o tempo.
Não é uma linha,
é um vento,
uma onda do mar que é preciso seguir (...)
O único tempo real é acordar de manhã,
esfregar as mãos e dizer:
vamos viver este dia.
(Rui Chafes)

sábado, 25 de outubro de 2008

Manhã de sábado... febre e dor...



Assim eu quereria o meu último poema.

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas

Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos

A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.


Manoel Bandeira

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Quem me dera ...

Minhas idéias abstratas
De tanto as tocar,
tornaram-se concretas:
São rosas familiares
Que o tempo traz ao alcance da mão,
Rosas que assistem à inauguração de eras novas
No meu pensamento.
No pensamento do mundo em mim e nos outros;
De eras novas, mas ainda assim
Que o tempo conheceu,
conhece e conhecerá.
Rosas!
Rosas!
Quem me dera que houvesse
Rosas abstratas para mim.

(Murilo Mendes)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Insônia

Insônia

Têm noites que eu ando voadeira
Como se fosse inseto vagando
Batendo ( se debatendo)
na luz difusa da lâmpada acessa

não humana
não sentimento
não vertente
não pulsante

sem Orides
sem seus poemas
sem verbo
sem vibrar

noites de insônia
sonambulando
pela casa
recitando baixinho -

“nunca amar o que não vibra, nunca crer no que não canta”

(Mara Faturi)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mudando o tema


Amasso as folhas rabiscadas com os poemas sobre o mar;
Tempo de mudar de assunto ...

Desilusão

Agora me embriago
de poesia
como se ela fosse a salvação
acalanto
colo
como se pudesse
tirar a dor de meu peito
transmutá-la em flores
e borboletas azuis...

(Mara Faturi)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Tudo um dia acaba...

Quando nada mais houver,
eu me erguerei cantando,
saudando a vida
com meu corpo de cavalo jovem.

E numa louca corrida
entregarei meu ser
ao ser do tempo
e a minha voz
à doce voz do vento.

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 19 de outubro de 2008

Quanto mais ando...


Quanto mais ando, querendo pessoas,
parece que entro mais no sozinho do vago...
- foi o que pensei na ocasião.
De pensar assim me desvalendo.
Eu tinha culpa de tudo, na minha vida,
e não sabia como não ter.
Apertou em mim aquela tristeza,
da pior de todas,
que é a sem razão de motivo;
que, quando notei que estava com dor-de-cabeça,
e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo,
isso até me serviu de bom consolo.
E eu nem sabia mais o montante que queria,
nem aonde eu extenso ia.
(Guimarães Rosa)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Desabafo & Esperança

Será possível que a HIPOCRISIA predomina em todos os lugares?
Será possível que todas as pessoas e seus sentimentos - se alimentam da HIPOCRISIA?


" (...) as pessoas falam coisas,
e por trás do que falam
há o que sentem,
e por trás do que sentem
há o que são e nem sempre se mostra (...)"
(Caio Fernando Abreu)




Artigo III - Estatutos do Homem

(Thiago de Mello)

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer,

o dia inteiro, abertas

para o verde onde cresce a esperança.






quinta-feira, 16 de outubro de 2008

(...)

"(...) em tempos de
silêncios e ausências,
o melhor é o recolhimento."

Vento que trás a saudade...


DIAS AZUIS

Hoje por mais de um segundo
o mundo rodou para trás.
Folhas perdidas no tempo,
num vento que o tempo que não volta mais

Dias azuis,
Noites de paz na cidade.
Dias azuis,
Vento que trás a saudade.

Hoje por quase um segundo
o mundo parou, de rodar.
Foi um perfume no vento
alguém que chegou para encontrar.

Dias azuis,
Noites de paz na cidade.

Dias azuis,
Vento que trás a saudade.

(Milton Nascimento)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

MUDANÇAS


"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma.
Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo.
Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas.
Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...
Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.
Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.
Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão.
Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.
Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".

(Clarice Lispector)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quando Penso ... Mudo ... Passo ...

Quando penso que uma palavra
Pode mudar tudo
Não fico mudo
Mudo
Quando penso que um passo
Descobre o mundo
Não paro passo
Passo
E assim que passo e mudo
Um novo mundo nasce
Na palavra que penso
Alzira Espíndola e Alice Ruiz

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

(...) isto lembra uma tristeza ...


Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.


O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.


E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.


Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.


Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.


(Fernando Pessoa)

domingo, 12 de outubro de 2008

Neste final de domingo... o que sinto é melancolia e solidão


Depois do Sol
Fez-se noite com tal mistério,
Tão sem rumor, tão devagar,
Que o crepúsculo é como um luar
Iluminando um cemitério . . .
Tudo imóvel . . .
Serenidades . . .
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!
Oh! Paisagens minhas de antanho . . .
Velhas, velhas . . .
Nem vivem mais . . .
— As nuvens passam desiguais,
Com sonolência de rebanho . . .
Seres e coisas vão-se embora . . .
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar,
Que parece Nossa Senhora
Pelos silêncios a sonhar . . .
(Cecília Meireles)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ir em frente ... ir a seguir ...




Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!


Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!


Viajar assim é viagem.

Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Fernando Pessoa

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Estou contando as horas para matar a saudades...

"A saudade é um filme sem cor que meu coração quer ver colorido"

(Zeca Baleiro)

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O que profetizam os astros?

Recebi e estou socializando. Embora a minha vontade tenha sido de acrescentar algumas "coisinhas" em cada signo ... mas mantive o original: http://www.carpinejar.blogger.com.br/2005
ÁRIES 20/3 a 20/4
* Os insetos são flores suicidas.
* Não há maior violência do que a suavidade.
* Vivo me espalhando, o único modo de me concentrar.
* A sombra é apressada para quem foge dela.
* Nunca chego a um trato com quem deixei de ser.
* Arrumo os poemas como um álbum de fotografias de uma família que não tive.
TOURO 21/4 A 20/5
* Vou devagar para o longe chegar perto.
* Quando se tem razão é aconselhável negar.
* Ter desejado é minha única posse.
* Ainda não sei se queria morder teus lábios ou tua voz.
* Não confie nos objetos do antiquário. Eles mentem sua idade.
* Faço amizade comigo para tomar uma cerveja.
GÊMEOS 21/5 A 20/6
* Ela não guarda as cartas de amor; ela se guarda para as cartas de amor.
* As mentiras, quando escritas, não se tornam verdades.
* Metade do que vivo é imaginação. A outra metade é conseqüência dela.
* A solidão é uma saudade sem destinatário.
* Passei um tempo enorme para fazer um estilo. Agora o trabalho maior é desfazê-lo.
* O elogio da modéstia é a pior vaidade.
CÂNCER 21/6 A 21/7
* Somos milagres habituados.
* - Sabe, aqui dentro a sensação é que não se tem futuro. - Não, aqui dentro a sensação é que a gente não tem passado.
* Quando o casamento acaba, somente os erros são devolvidos.
* Minha mãe fala "pronto" ao atender o telefone. Não estou preparado.
* A água é muito influenciável. Toma a forma do que vê.
* Eu tenho da verdade o pressentimento.
* As fotografias são fiéis ao que ficou fora delas.
LEÃO 22/7 a 22/8
* Não quero alma gêmea. Isso é incesto.
* Antes sem modos do que seguir moda.
* O violino é um porão de cordas. Desço as escadas no escuro.
* Transborda-se com o mínimo.
* Os botões atrasam a nudez para não perder nada.
* Não há maior vaidade do que se abandonar.
VIRGEM 23/8 a 22/9
* Quem tem letra ilegível passa a complicar todo o resto.
* Mais se faz um poema rejeitando as palavras erradas do que escolhendo as certas.
* Só converso com Deus se tenho carona de volta. * O dicionário é a agenda da eternidade.
* Uma beata espantava os demônios com os mistérios gozosos.
* Mais fácil dividir a migalha do que o pão.
LIBRA 23/9 a 22/10
* Uma árvore é enterrada de pé. Como uma guitarra.
* O sobrenatural é a rotina. Repetir tudo exatamente igual não é fácil.
* A feição envelheceu com unidade. Até os óculos acompanharam.
* O que eu vou ser quando crescer é o que não tive tempo de fazer na infância.
* A poesia é como os pedais do piano, o leitor presta atenção nas mãos do pianista.
* Há dois tipos de ex-mulher. A que torna todas as escolhas futuras erradas depois da separação e a que torna todas as escolhas futuras acertadas depois da separação. O resto é poesia ou Vara de Família.
ESCORPIÃO 23/10 a 21/11
* Se as mulheres soubessem o que os homens falam entre si, sentiriam vergonha de seu ciúme.
* Eu assusto meus próprios medos.
* Desconfio quando estou livre e sem marcação. Deve ser impedimento.
* O poema é uma mão tremendo. Seguro no poema, não para aliviar o tremor, para ser contagiado por ele.
* Nem eu sou meu discípulo.
* Não confio no copo. Deixo todo veneno em minha boca.
SAGITÁRIO 22/11 a 21/12
* Quero morrer sem sobrar vida para contar.
* Agradeço meus limites. Não me suportaria infinito.
* Por que temos a impressão de que o tempo passa rápido mas o que ocorreu na semana passada parece ter sido algo de outro século?
* - Tens urgência de rio? - Não, mas curiosidade oceânica.
* Deus faz comício, mas o domingo é o único dia que não quero me salvar.
CAPRICÓRNIO 22/12 a 20/1
* Costumo repetir o que não aconteceu.
* Dificilmente o vento encontra um tradutor competente que não o transforme em brisa ou em dilúvio. * Procuro uma rua sem saída para subir os olhos.
* Quando não há ninguém para incomodar, arruma-se encrenca com a própria estima.
* Sobre o surgimento de Adão: "como pode um homem sem infância?"
* Meu pai se barbeava sem espelho. Minha mãe se penteava sem espelho. Sou filho da cegueira.
AQUÁRIO 21/1 a 18/2
* Música é dar voltas na mesma frase.
* Eu vivo o que não consegui imaginar.
* Ninguém nasce para não perturbar.
* Ao receber excremento de aves, chamo a sujeira de sorte.
* A brasa dorme sempre com a chave do lado de fora.
* Não fui avisado que estava vivo. Como uma corrida que começou e não ouvi a contagem.
PEIXES 19/2 a 19/3
* O que não foi vivido totalmente volta.
* O mar dorme tentando se ouvir.
* a paisagem muda com a cigarra muda
* A luz é cicatriz.
* Se cada um é o segredo da vida do outro, todo encontro é uma denúncia anônima.
* Ignorar Deus é ainda um jeito de permiti-lo.

segunda-feira



(...) a única coisa certa

é que hoje é segunda-feira.

domingo, 5 de outubro de 2008

Um domingo a-típico

“Onde está a esquerda?”
Não dou alvíssaras,
já paguei demasiado caras as minhas ilusões."

(Saramago)

Somente quem gosta de críticas, de metáforas e de certa dose de melancolia, vale a penas navegar no blog: http://caderno.josesaramago.org/

sábado, 4 de outubro de 2008

O MUNDO TE AGRADA?


"Amanheci em cólera.
Não, não, o mundo não me agrada.
A maioria das pessoas estão mortas e não sabem,
ou estão vivas com charlatanismo.
E o amor, em vez de dar, exige.
E quem gosta de nós
quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam.
Mentir dá remorso.
E não mentir é um dom que o mundo não merece..."
Clarice Lispector

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

TALVEZ UM DIA ...


Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Segredos para o MAR

"Meu medo se interessa por qualquer ruído.
Hoje quero alguém para conversar enquanto dirijo,
baixar os faróis em estrada litorânea,
enxergar pelas mãos."

(Fabricio Carpinejar)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Dia após dia ...

"Uma pessoa não é só
um amontoado de frasezinhas
supostamente brilhantes."

(Caio Fernando de Abreu)