quarta-feira, 30 de julho de 2008

PRECISO OUVIR MAIS A CLARICE LISPECTOR...

“Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma.
Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.
Nem sei como lhe explicar minha alma.
Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias.
Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades - depois disso fica-se um pouco um trapo.
Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige.
Parece uma vida amoral.
Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.”

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

MAR

"As ondas quebravam uma a uma. Eu estava só com a areia e com a espuma. Do mar que cantava só para mim”
(Sophia de Mello Breyner)


domingo, 27 de julho de 2008

Tivesse eu ...


Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver …
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida…
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p’ra mim.

(Alvaro de Campos)

sábado, 26 de julho de 2008

Aos escritores ... de poesia, de tese, de literatura e também aos escritores da vida


"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício.
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer.
Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.
Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão.
Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa.
A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso;
a palavra foi feita para dizer."
(Graciliano Ramos)
"não era mais uma menina com um livro:
era uma mulher com seu amante."
(Clarice Lispector)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Tecendo perguntas



"Será que a pergunta só tem a resposta que dita a razão?
Será que eu não posso quando me apetece fugir e sonhar procurar no ar outra explicação?
Será que não pode ser coisa de mago e de fada uma resposta encantada com cores de amanhecer e segredos de magia como os que tem o amor e as palavras ao tecer casulos de poesia? "
(Teresa Marques)

Escolhas ou escolhas ....


" Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo . . .
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Amigos nossos: loucos e santos

LOUCOS E SANTOS
Oscar Wilde

"Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa.Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril"

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Indagações


"O que era aquilo - o queimar,
o assombro, a insuficiência
sem fim,
a doce, profunda e radiante
sensação de lágrimas brotando?
O que era aquilo?
(R. M. Rilke)

Fim das últimas ilusões...


"Passou?
Minúsculas eternidades deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.
Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão - a tua mão, nossas mãos -
rugosas, têm o antigo calor de quando éramos vivos.
Éramos? Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado."

(Carlos Drummond de Andrade)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Em tempos de "transformações" ... proteção & proteção


Jorge de Capadócia

Jorge sentou praça na cavalaria
eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge
Para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem
Para que meus inimigos tenham pés e não me alcacem
Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam
E nem mesmo o pensamento
eles possam ter para me fazerem mal
Armas de fogo
meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem sem o meu corpo tocar
Cordas e corentes se arrebentem
sem o meu corpo amarrar
pois eu estou vestido com as roupas
e as armas de jorge
Jorge é de Capadócia

Para iniciar a semana, uma "doce e suave poesia" ...


Amanhecência
Quero ficar só
para respirar a estrela.
Deixar a noite escorregar a mágoa
e dissolvê-la em enxurrada.
Não deixar nada
a comprimir o peito.
Quero a madrugada de tal jeito
que a alma possa flanar sem pouso certo
e sugar o primeiro brilho esperto
de uma gota.
Beijar a pétala rota
do mau jeito de um espinho
e deglutir devagarinho o mel do espasmo nascente.
Quero o orgasmo
do pólen, da semente;
eu quero o sumo:
pra recompor a vida,
pra renascer o afeto,
pra retomar o rumo.
Flora Figueiredo

domingo, 20 de julho de 2008

... ainda tenho muito o que aprender


Hoje desaprendo o que tinha aprendido ontem
E que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.
E do alto avisto os que folgam e assaltam, dono de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a aprender.
Cecília Meireles

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Tempo de ocupação & outras ausência

Duas poesias de Eduardo Pitta - poeta, escritor e ensaísta português. Poesias que servem para cortar a carne ...

Ocupamos a paisagem
que, desocupada, se ocupa
de nós.
Tempo de ocupação, este.

Somos o estrangeiro
que o silêncio de paredes
brancas e esquecidas
perturbou.

Extasiado ao menor rumor
de um estio
duro e claro— todo lâminas.

Perplexo da memória destes dias
sufocados em tédio
e cal.

Da palavra para a pedra
arrastando-se aquáticos— as mais sazonadas
as menos polidas.

Crestada que foi,
na raiz do tempo, toda
a subliminar tentativa
de retorno.
Pouco tenho para alinhavar.
Dizer-te que estou longe
não apaga esta ausência que,
inelutavelmente,
nos distanciou.

Cercam-nos muros de silêncio
opresso.
A própria hera não ousa
na despudorada nudez branca
de paredes que interditam

a fantasia ao forasteiro
voraz.
O gesto tolhido,o pretexto adiado
e a memória a estiolar.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Hipócritas e Medíocres

O Homem Medíocre é fruto das lições de José Ingenieros sobre a psicologia do caráter, professadas na cátedra da Faculdade de Filosofia.
O hipócrita entibia toda amizade com suas duplicidades: ninguém pode confiar em sua ambigüidade recalcitrante.
Dia a dia afrouxa suas anastomoses com as pessoas que o rodeiam; sua sensibilidade escassa empede-o de buscar estímulo na ternura alheia e sua afetividade vai empalidecendo como um planta que não recebe sol, consumindo o coração em um inverno prematuro.
Apenas pensa em sim mesmo, e essa é a sua pobreza suprema.
Seus sentimentos debilitam-se nos hibernáculos da mentira e da vaidade.(...)
Não podendo confiar em ninguém, vivem secando as fontes de seu próprio coração, não sentem a raça, a pátria, a classe, a família, nem tampouco a amizade, ainda que saibam falseá-las para explorá-las melhor.
Alheios a tudo e a todos, perdem o sentimento de solidariedade social, até caírem em sórdidas caricaturas de egoísmo.
O hipócrita mede sua generosidade pelas vantagens que dela obtém; concebe a beneficência com uma indústria lucrativa para sua reputação. Antes de dar, investiga se terá notoriedade seu donativo.(...)
Indigno da confiança alheia, o hipócrita vive desconfiando de todos, até cair no supremo infortúnio da suscetibilidade.
Um terror ansioso o importuna frente aos homens sinceros, crendo escutar em cada palavra uma reprovação merecida; nele não há dignidade, senão remorso.(...)
Costumam ser cúmplices, mas não amigos; a hiprocrisia não ata pelo coração, senão pelo interesse. Os hipócritas, sempre utilitários e oportunistas, estão a todo momento dispostos a trair seus princípios em homenagem a um benefício imediato; isso lhes veda a amizade com espíritos superiores.
O gentil-homem tem sempre um inimigo neles, pois a reciprocidade de sentimentos apenas é possível entre iguais, na medida em que forjarão a ocasião para afrontá-lo com alguma infâmia, vingando a sua própria inferioridade.
La Bruyère escreveu uma máxima imperecedoura: "Na amizade desinteressada há prazeres que não podem alcançar os que nasceram medíocres".

A canção do vento

O vento morria de tédio
porque apenas gostava de cantar
mas não tinha letra alguma para a sua própria voz,
cada vez mais vazia…
tentei então compor-lhe uma canção tão comprida
como a minha vida
e com aventuras espantosas
que eu inventava de súbito,
como aquela em que menino
eu fui roubado pelos ciganos
e fiquei vagando sem pátria,
sem família,
sem nada neste vasto mundo…
mas o vento,
por isso me julga agora como ele…
e me dedica um amor solidário, profundo!
(Mário Quintana)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

... os pactos ortodoxos

"Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse." (Nietzsche)

terça-feira, 15 de julho de 2008

SEDE DE "PODER" ...


Extraíndo alguns "por menores" ... vale a pena ser lido...
O poder muda a pessoa
RAYMUNDO DE LIMA
* Psicanalista e professor da UEM


O poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas. (R. Kurz)
O psicanalista J. Lacan[1] ,observou que a partir do momento em que alguém se vê "rei", ele muda sua personalidade. Um cidadão qualquer quando sobe ao poder[2] , altera seu psiquismo. Seu olhar sobre os outros será diferente; admita ou não ele olhará "de cima" os seus "governados", os "comandados", os "coordenados", enfim, os demais.
Estar no poder, diz Lacan, "dá um sentido interiormente diferente às suas paixões, aos seus desígnios, à sua estupidez mesmo". Pelo simples fato de agora ser "rei", tudo deverá girar em função do que representa a realeza. Também os "comandados" são levados pelas circunstâncias a vê-lo como o "rei do pedaço".
La Boétie [3] parecia indignado em perceber o quanto o lugar simbólico de poder faz o populacho se oferecer a uma certa "servidão voluntária". Bourdieu chama-nos atenção para a força que o símbolo exerce sobre os indivíduos e grupos. Antes de ocupá-lo, o poder atrai e fascina; depois de ocupado tende a colar a alguns como se lhes fossem eterno. Aí está a diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela. O primeiro e a maioria dos ditadores pretendem se eternizar no poder, o segundo, mais sábio, toma-o como transitório, evitando ser possuído pelo próprio. ("Possuído", sim, pois o poder tem algo de diabólico, que tenta, que corrompe, etc).
Uma vez no poder, o sujeito precisará de personas (máscaras) e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si e aos outros. A moldura, é algo necessário para delimitar simbolicamente a ação dele enquanto representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso fará irromper a força pulsional do sujeito que anseia por mais e mais poder, podendo vir a se tornar uma patologia psíquica. A história coleciona exemplos: Hitler, Stalin, Mobutu, Collor de Melo, Pol Pot, Idi Amim, etc.
No filme As loucuras do rei George III [4] , da Inglaterra, somos levados a perceber duas coisas: o quanto que as pessoas recusavam a idéia de um rei que perdeu a razão em função de uma doença e, que fazer para impedir alguém que representa o poder máximo de uma nação, devido a suas loucuras?
O poder faz fronteira com a loucura. Não é sem motivo que muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luis XV. Parece que há algo de "loucura narcísica" nas pessoas que anseiam chegar ao poder político (governante de uma cidade, estado ou país, ministro, membro do secretariado local), ou ao poder de uma instituição, empresa, departamento, pequeno setor de uma organização qualquer ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder, revela-se na auto-admiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em aceitar o que vem dos outros e no gozo que ele extrai do poder, que, levado ao extremo poderia revelar loucura. R. Kurz, é direto ao declarar que "o poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas".
O sociólogo M. Tragtenberg certa vez observou como muitos intelectuais discursam uma preocupação pelo "social", mas estão mesmo preocupados com a sua "razão do poder". Há uma espécie de "gozo louco" pelo poder, que faz subir a cabeça dos que estão jogando para ganhá-lo um dia.
Do ponto de vista psicológico, observa-se que o poder faz o ocupante perder a própria identidade pessoal e assumir outra, contornada pela "fôrma" do próprio poder. Os cargos executivos (presidente, governador, prefeito, diretor, reitor, etc), tem uma fôrma própria, um lugar que marca uma certa diferença em quem a ocupa em relação aos cargos de segundo escalão (ministros, secretários disso e daquilo, chefes de gabinetes, assessores, etc). As "pequenas autoridades" dos escalões inferiores - mas com algum poder - costumam ter atitudes mais protofascistas que as grandes. São mais propensas a "vender sua alma ao diabo" que as grandes para estar no poder.
O psicólogo Ricardo Vieira, da UERJ, de quem me inspirei para continuar seu artigo, levanta os quatro primeiros indicadores de mudanças que ocorrem com as pessoas que chegam ao poder:
1) no modo de vestir: o terno, a gravata, o blazer e o tailleur que, antes eram utilizados em circunstâncias especiais, passam a ser usados cotidianamente, mesmo quando não é necessário utilizá-los. Alguns demonstram certo constrangimento em trocar a surrada camiseta e passar a usar um blazer ou uma camisa de linho, pelo menos nas ocasiões especiais. Se antes usava um cabelo comprido, despenteado, logo é orientado a cortá-lo, penteá-lo, dar um trato. Na última eleição para prefeito de Maringá, um candidato foi orientado pelo seu marketeiro para mudar o cabelo enrolado por um penteado de brilhantina. Perdeu a eleição.
2) Mudam as relações pessoais: os antigos companheiros poderão ser substituídos por novos, que o leva a sentir-se menos ameaçado. O sentimento persecutório de "ser mal visto", precisa ser evitado a qualquer preço por quem ocupa o poder.
3) Altera o tratamento com o outro, que torna-se autoritário com seus subordinados; gritos e ameaças passam a ser seu estilo. Certa vez, perguntaram a Maquiavel se era melhor ser amado que temido? O autor de O príncipe respondeu que "os dois mas se houver necessidade de escolha, é melhor ser temido do que amado".
4) Mudam os antigos apoios e alianças. Aqueles que o apoiaram chegar ao poder, transformam-se em arquivos vivos dos seus defeitos. O poder leva a desidentificação com os antigos colegas de profissão. É o caso do presidente FHC e do seu Ministro da Educação Paulo Renato Souza, depois de executivos, ambos não se vêem mais professores.
5) Resistência em fazer auto-crítica. Antes, vivia criticando tudo que era governo ou tudo que constituía como efeito de governo. Mas, logo que passa a ocupar o poder, revela "sua outra face", não suportando a mínima crítica. O poder os torna cegos e surdos a crítica. Uma pesquisa de Pedro Demo, da Universidade de Brasília, constata que os profissionais de academias apreciam criticar a tudo e a todos, mas são pouco eficazes na crítica para consigo mesmos. Enquanto só teorizavam, nada resolviam, mas quando passam a ocupar um cargo que exige ação prática, terá que testar a teoria; agora é que "a prática se torna o critério da verdade" [5] . Por falta de referencial e por excesso de idealismo, é freqüente ocorrerem bobagens e repetições dos antigos adversários, tais como: fazer aumentos abusivos de impostos, aplicar multas injustas, discursos cínicos para justificar um ato imoral de abuso de poder, etc. Há um provérbio oriental que diz: "quem vence dragões, também vira dragão".
Os sujeitos quando no poder protege-se da crítica reforçando pactos de auto-engano com seus colegas de partido. Reforçam a crença de que representam o Bem contra o Mal, recusam escutar o outro que lhe faz crítica e que poderia norteá-lo para corrigir seus erros e ajudar a superar suas contradições. Se entrincheirarem no grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á dogmático, duro, tapado, e podemos até prever qual será o seu futuro se tomar o caminho de também eliminar os divergentes internos e fazer mais ações de governo contra o povo, "em nome do povo".
Infelizmente assim é o poder: seduz, corrompe, decepciona e faz ponto cego e surdo nos seus ocupantes temporários.
___________
[1] Jacques Lacan, psicanalista francês, que propôs o retorno à leitura da obra de S. Freud. Cf.: Seminário 1. Ed. Zahar, 1979, p. 318.
[2] Max Weber define que o"poder é toda chance, seja ela qual for de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contar a relutância dos outros". Para M. Foucault, nas duas obras, Vigiar e Punir e Microfísica do poder, faz uma genealogia do poder. Constata que o poder se exerce na sociedade não apenas através do Estado e das autoridades formalmente constituídas, mas de maneiras as mais diversas, em uma multiplicidade de sentidos, em níveis distintos e variados, muitas vezes sem nos darmos conta disso.
[3] Etienne La Boétie, filósofo francês, autor do Discurso da Servidão Voluntária. Cf.: Brasiliense, 1982.
[4] O rei George III reinou na Inglaterra no séc. 18 Ficou louco devido a uma doença, a porfiria, desconhecida na época.
[5] Dito por L. Feuerbach


domingo, 13 de julho de 2008

Espessa é a vida que se adquire a cada dia

Cão Sem Plumas

João Cabral de Melo Neto

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessas
e um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).

sábado, 12 de julho de 2008

Um doce e singelo poema ...



Se a vida te deu asas, voa menina.
Nunca desistas de viver.
Nunca deixes a chama da paixão extinguir-se.

Abre as asas de seda e supera o teu próprio destino.
Espalha a vida e a alegria lá do alto da tua varanda
e vê como é precioso cada minuto que vivemos.

Torna-te na lua mais bela e elegante.
Assim, quando eu te quiser encontrar,
basta procurar o luar pelos cantos perdidos da noite.
Se a vida te deu asas, voa menina.
Pode ser que um dia destes fiques
conhecida como a fada das nuvens brancas…
(Fábio Nobre)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

SER PACIENTE (difícil tarefa)


"Quero pedir-te, com quanta força tenho,
que sejas paciente com tudo
o que dentro do teu coração não foi ainda resolvido
e que te forces a gostar das tuas próprias interrogações,
como se de quartos fechados se tratasse
ou de livros escritos numa língua muito estranha.
Não procures as respostas que não te podem ser dadas
porque não serás capaz de vivê-las.
E o que importa é viver tudo.
Vive agora as tuas interrogações.
Talvez possas depois, gradualmente,
sem nisso reparares,
viver até ao dia longínquo em que entres na resposta."
(Rilke)
"Senhor, já faz tempo: foi tão longo o verão
Estende as tuas sombras sobre as horas solares
E solta os ventos sobre os campos
Ordena aos últimos frutos que se completem"
(Rilke)

VIVER ... ainda que ...



Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
E antes de ditas pensadas.
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias.
Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim.
(Alberto Caeiro)


(...)Viver não é necessário;
o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida;
nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso
tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma)
a lenha desse fogo.(...)
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

CANTOS INVISÍVEIS ...

... um pouco de Caio Fernado de Abreu, já que ele vem nos acompanhando dias e dias ...

"De repente sinto medo.
Um medo antigo, o mesmo que sentia o menino escondido embaixo da escada, esperando castigos.
Um medo e um frio que nascem de alguma zona escondida no cérebro, nas lembranças, nas coisas que o tempo escondeu ao avançar, como se recuando súbito pusesse a descoberto todos os cantos invisíveis, todas as teias de aranha recobrindo velhos muros, os mesmos que tantas vezes tentei escalar sem que houvesse nada depois, nenhum caminho, nenhuma casa. Nada."

(Caio Fernando Abreu)

PRETENSAS PALAVRAS


jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em
pedaços
jardins ausenta-se
a lua figura de
uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
recuam
ausência freqüentada sem mistério
céu que recua
sem pergunta (e sem respostas)
(Ana Cristina Cesar)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ciladas


cilada

comungo com as pequenas coisas

com o que mergulha no sumidouro

das horas mortas

com flores miúdas que harmonizam

o jardim e

com abelhas que somem

no impulsivo vôo da memória

estabeleço um tempo para a fruição do

que mensuro no pulsar das coisas

tortas e nos espaçamentos da alma

depois teço a esperança de surgir no eito

do cansaço

como se os limbos da calma que degola

meus gestos pusessem em minhas mãos o

lodo cinzento do que não sou

a lua permanece intacta entre as

nuvens a devorar o uivo e um lobo

sedento de paisagens inanimadas

num sussurro ao silêncio

suprimo o hálito das estrelas e a escuridão

contempla meu olho nu



(Lau Siqueira ls – da série poemas vermelhos



domingo, 6 de julho de 2008

Expressividade da música



Argila


(Carlinhos Brown )

Uganda, cubana, ipanamana, baiana, luanda, nada ruanda, kinshze, manga, banana
Vinha rindo e circulando
Sobre tudo o cobertor

Do teu olhar verreu meus olhos
E do teu olho joio
Uma gota de orvalho
Que era vidro se quedou

Vivendo em despedace
E o coração coador
Sorriu vexado de amargor e se pintou

Com a lama da lagoa pra à toa correr
Se for feito de argila

Seis enfeites de darei

Flores não andam em dúzia

Só foi uma que eu roubei
Sorriu vexado de amargor e se pintou

Com a lama da lagoa coa voa
Solidão anda de muda
Sei pra sempre te amarei

procurei pôr essas curvas

Quem no Tororó deixei



sábado, 5 de julho de 2008

Vôo Suave ... um desejo, uma melancolia ...

Ah, quanta vez, na hora suave
Em que me esqueço,
Vejo passar um voo de ave
E me entristeço!
Porque é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Porque vai sob o céu aberto
Sem um desvio?
Porque ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade


Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh'alma alheia
Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro em meu ser.
Fernando Pessoa

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Trajetórias da Vida


Ninguém pode construir em teu lugar
as pontes que precisarás passar,
para atravessar o rio da vida
- ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números,
e pontes, e semideuses que se oferecerão
para levar-te além do rio;
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar.
Onde leva?
Não perguntes, segue-o
(Nietzsche)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

As palavras ditas ou não ditas ... esclarecem ...


"Sou um monte intransponível no meu próprio caminho.
Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida,
de repente tudo se esclarece."
(Clarice Lispector)
(...) ou por uma palavra não dita, não lida, de repente tudo se esclarece.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Um pouco de leveza e simplicidade ...

Tenho ouvido tantas coisas ... e deixado de ouvir outras tantas ... que não sei se interpreto, se silencio, se falo, se fico ou se vou ... Mas, estou aprendendo com as pessoas ... sejam elas "doces poetas" ou "amargas criaturas" ...


"Haverá ainda,
no mundo,
coisas tão simples
e tão puras
como a água bebida
na concha das mãos."
(Mário Quintana)