segunda-feira, 29 de março de 2010


O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções.

(Clarice Lispector)

domingo, 28 de março de 2010


Vozes.
Inferno. Salmos.
maduro fruto da árvore.

Vozes.
Inferno. Salmos.
dêitico fruto dos galhos.
bebido das folhas.
bebido da relva.

Vozes.
o homem e a interrogação
diante duma árvore.

Vozes,
o homem existido
galhos diante da vida.

(Eric Ponty)

sábado, 27 de março de 2010

De novo...


A natureza da saudade é ambígua:
associa sentimentos de solidão e tristeza
– mas, iluminada pela memória,
ganha contorno e expressão de felicidade.

(Cecília Meireles)

sexta-feira, 26 de março de 2010


sei
da vida
que me foge
aos poucos
todas as noites

sempre acordo
com a sensação
de que está me faltando
um dia.

(Ademir Antonio Bacca)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Cada dia


De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum,
era sempre extraordinário.
E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 24 de março de 2010



jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em
pedaços
jardins ausenta-se
a lua figura de
uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
recuam
ausência freqüentada sem mistério
céu que recua
sem pergunta

(Ana Cristina Cesar)

terça-feira, 23 de março de 2010




Teus passos somem
Onde começam as armadilhas.
Curvo-me sobre a treva que me espia.

Ninguém ali. Nem humanos, nem feras.
De escuro e terra tua moradia?

Pegadas finas
Feitas a fogo e a espinho.
Teu passo queima se me aproximo.

Então me deito sobre as roseiras.
Hei de saber o amor à tua maneira.

Me queimo em sonhos, tocando estrelas.

(Hilda Hilst)

segunda-feira, 22 de março de 2010

O silêncio é azul...

“O silêncio era tão denso que mudara a qualidade do ar."

(Alan Pauls)

quinta-feira, 18 de março de 2010

Cegueira da visão

"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios"

(Alberto Caeiro)

terça-feira, 16 de março de 2010

Mapa da Anatomia: O Olho



O Olho é uma espécie de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
O Olho é um teatro por dentro.
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.

(Cecilia Meirelles)

segunda-feira, 15 de março de 2010



Um quietismo estético da vida, pelo qual consigamos que os insultos e as humilhações, que a vida e os viventes nos infligem, não cheguem a mais que a uma periferia desprezível da sensibilidade, ao recinto externo da alma consciente. Todos temos por onde sermos desprezíveis. Cada um de nós traz consigo um crime feito ou o crime que a alma lhe pede para fazer.

(Bernardo Soares)

domingo, 14 de março de 2010

Inglória

Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.
Quantos, se pensam, não se reconhecem
Os que se conheceram!
A cada hora se muda não só a hora
Mas o que se crê nela, e a vida passa
Entre viver e ser.

(Ricardo Reis)

sábado, 13 de março de 2010

Sonhos...


Desejo

Ao sopro da transfiguração noturna
Distingo os fantasmas de homens
Em busca da liberdade perdida:

Quisera possuir cem milhões de bocas,
Quisera possuir cem milhões de braços
Para gritar por todos eles
E de repente deter a roda descomunal
Que tritura corpos e almas
Com direito ao orvalho da manhã,
À presença do amor, à música dos pássaros
A estas singelas flores, a este pão.

(Murilo Mendes)

sexta-feira, 12 de março de 2010

Março




Que etéreo veneno entorpecente
De sonhos infinitos e tranquilos
Trazes contigo, límpido março azul
Das transparentes distâncias!
(Helena Kolody )

quinta-feira, 11 de março de 2010


Não falo das ruas da minha infância,
nem as nomeio,
para que ignorem a pequenez do meu mundo.

Tinham, porém, fauna e flora,
as árvores davam sombra e frutos,
os homens bom-dia e os pássaros cantavam.

(Fernando Ferriera de Loanda)

terça-feira, 9 de março de 2010


Quando vier a primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na primavera passada
A realidade não precisa de mim.

(Alberto Caeiro)

segunda-feira, 8 de março de 2010

8 de março


... a única verdade é que vivo.
Sinceramente eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais.
É curioso como não sei dizer quem sou."
"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."
"E se me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 5 de março de 2010

"o aburdo não está no homem (...),
nem no mundo, mas em sua presença comum.
esta entre o "apetite de unidade"
e a
"hostilidade primitiva do mundo".

(Alberto Camus)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Manhã

Estou

E num breve instante

Sinto tudo

Sinto-me tudo

Deito-me no meu corpo

E despeço-me de mim

Para me encontrar

No próximo olhar .

Ausento-me da morte

não quero nada

eu sou tudo

respiro-me até à exaustão .

Nada me alimenta

porque sou feito de todas as coisas

e adormeço onde tombam a luz

[e a poeira

A vida (ensinaram-me assim)

deve ser bebida

quando os lábios estiverem

[já mortos

Educadamente mortos

(Mia Couto)

quarta-feira, 3 de março de 2010

Nono mandamento para bem viver na Terra dos Papagaios

"Naquelas paragens, quando se alevantam alguns,
o melhor modo de quietá-los é dar-lhes emprego ou título,
porque os daquela terra muito prezam serem chamados de senhores
e não há um que não troque honradez por honraria."

(José Roberto Torero e Marcus Pimenta)

terça-feira, 2 de março de 2010

do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem.

(Bertolt Brecht)