domingo, 30 de novembro de 2008

Depois do Fevereiro



Entoam os maracatus
Que depois do fevereiro
Não se ouvirá mais sons
Não se escutará as falas
Não se sentirá os toques
Inicia-se a ausência do verão

Vislumbra-se a certeza de que as tormentas se acalmaram
E o vento do destino apaziguou os fantasmas
As correntes se fixaram
As paredes se consolidaram
E os desejos foram domados

sábado, 29 de novembro de 2008

Um sábado para ousar

REBELDIA

Soltem-me
as algemas
Quero
a minha alma livre
meu corpo livre
meu pensamento livre
Esbofetear o mundo
e cuspir
na vida

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Faz de conta! Para que ter ilusão?



Faz de conta que ela era uma princesa azul pelo crepúsculo que viria, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que sangue escarlate não estava em silêncio branco escorrendo e que ela não estivesse pálida de morte, estava pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz-de-conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz-de-conta verde cintilante de olhos que vêem, faz de conta que ela amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de marinheiros que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos da gratidão mais límpida, faz de conta que tudo o que tinha não era de faz-de-conta, faz de conta que se descontraíra o peito e a luz dourada a guiava pela floresta de açudes e tranqüilidade, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando.

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Todas as horas são extremas



O tempo é indivisível.
Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível.
Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre…
Todas as horas são horas extremas!
(Mário Quintana)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A metáfora do "Anjo" de W. Benjamin para uma quarta-feira

O ANJO

Walter Benjamin


Há um quadro de Klee chamado Angelus Novus. Representa um anjo que parece a ponto de afastar-se para longe daquilo a que está olhando fixamente. Seus olhos estão arregalados, sua boca aberta, suas asas estendidas. O anjo da história deve ter este aspecto. Seu rosto está voltado para o passado. Onde diante de nós aparece um encadeamento de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que vai empilhando incessantemente escombros sobre escombros, lançando-os diante de seus pés. O anjo bem que gostaria de se deter, despertar os mortos e recompor o que foi feito em pedaços. Mas uma tempestade sopra do Paraíso e se prende em suas asas com tal força, que o anjo já não as pode fechar. A tempestade irresistivelmente o impele ao futuro, para o qual ele dá as costas, enquanto o monte de escombros cresce até o céu diante dele. O que chamamos de Progresso é esta tempestade.

Não me faças rir!


" Onde o sentido está contido?
Comigo?
Contigo?
Onde andará o sentido?
Sentado á beira do abismo?
Abismado com tanto cinismo?
Onde andará o sentido?
Sentado no cais a ver navios?
No meio do mar à deriva?
Onde o sentido se esquiva? "

(Chacal)




terça-feira, 25 de novembro de 2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Nossos Tempos

ALBERT CAMUS
PROMETEU NOS INFERNOS

Algo parecia faltar à divindade. pois nada existia que lhe fizesse oposição.
LUClEN

Prometeu no Cáucaso


QUE SIGNIFICA PROMETEU para o homem de nossos tempos? Poder-se-ia dizer, provavelmente, que esse revoltado contra os deuses é o modelo do homem contemporâneo e que o protesto lançado, há milhares de anos, nos desertos da Cita deságua hoje numa convulsão histórica sem igual. Contudo, ao mesmo tempo, algo nos faz pensar que aquele ser perseguido continua vivendo sua sina entre nós e que ainda estamos surdos ao tremendo grito da revolta humana cujo sinal solitário ele nos dá.

Com efeito, o homem atual é aquele que, em massas gigantescas, sofre sobre a estreita superfície da terra, o homem privado de fogo e de alimento, para quem a liberdade não passa de mero luxo que pode esperar; e para esse homem o problema não pode residir tão-somente em sofrer um pouco mais, assim como para a liberdade e suas derradeiras testemunhas a questão não pode ser apenas a de desaparecer um pouco mais. Prometeu, por sua vez, amou os homens o bastante para ser capaz de dar-lhes, a um só tempo o fogo e a liberdade, as técnicas e as artes. Hoje, a humanidade só necessita das técnicas e só a elas dá importância. Revolta-se de dentro de suas máquinas, considerando a arte e tudo o que ela pressupõe como um obstáculo e um estigma de servidão. O que caracteriza Prometeu, ao contrário, é que ele não pode separar a máquina da arte. Julga possível libertar, concomitantemente, os corpos e as almas. O homem atual acredita na necessidade de libertar o corpo em primeiro lugar, ainda que o espírito deva morrer provisoriamente. Mas será que o espírito pode morrer provisoriamente? Na realidade, se Prometeu retomasse, os homens de hoje fariam como os deuses de outrora: cravariam-no ao rochedo, vítima do mesmo humanismo do qual é o símbolo primeiro. As vozes inimigas que insultaram o vencido no passado seriam as mesmas que repercutem no limiar da tragédia de Ésquilo: as da Força e da Violência.

Será que estou cedendo ao tempo avaro, às árvores nuas, ao inverno do mundo? Mas é precisamente a nostalgia de luz que me dá razão: fala-me de um outro mundo. Minha verdadeira pátria. Terá ela ainda sentido para alguns homens? No ano da guerra, tencionava refazer o périplo de Ulisses. Naquela época, mesmo um rapaz pobre podia aspirar ao projeto suntuoso de atravessar um mar inteiro para ir ao encontro da luz. Entretanto, acabei fazendo como muitos outros. Não embarquei. Assumi meu lugar na fila que marcava passo diante da porta aberta do inferno. Pouco a pouco fomos entrando. E, ao primeiro brado da inocência assassinada, a porta bateu com violência atrás de nós. Estávamos no inferno e dele jamais conseguimos escapar. Após seis longos anos, continuamos tentando uma saída. As visões cálidas das ilhas afortunadas rareavam cada vez mais; e quando reapareciam, era somente na projeção de outros tantos longos anos que ainda teríamos de viver, sem ânimo e sem sol.

Nesta Europa úmida e negra como seria possível receber um calafrio de remorso e de difícil cumplicidade o lamento do velho Chateaubriand. A Ampère, que partia para a Grécia: "Não havereis de reencontrar nem uma folha das oliveiras nem um grão das uvas que vi na Ática. Tenho saudade até mesmo da relva do meu tempo. Faltou-me força para manter viva uma urze sequer". Também nós, submersos, apesar de nosso sangue jovem, na terrível velhice deste último século, às vezes sentimos saudades da relva de todos os tempos, da folha de oliveira que já não iremos ver por ela mesma e das uvas da liberdade. O homem está em toda a parte, em toda a parte estão seus gritos, sua dor e suas ameaças. Entre tantas criaturas reunidas já não há mais lugar para os grilos. A história é uma terra estéril onde a urze não nasce. Contudo, o homem de hoje escolheu a história; e não podia nem devia dela desviar-se.
Mas, em vez de utilizá-la em benefício próprio, consente, cada dia um pouco mais, em ser-lhe escravo.
Ê então que o homem trai Prometeu, esse filho "de pensamentos ousados e de alma livre". Ê então que retoma à miséria dos homens, que Prometeu desejou salvar. "Eles olhavam sem ver, ouviam sem escutar, semelhantes às figuras dos sonhos..."

Sim, basta-nos uma noite na Provença, uma colina perfeita, um odor de sal, para perceber que tudo ainda está por fazer. .Cabe a nós a tarefa de reinventar o fogo e de reinstaurar os ofícios, a fim de apaziguar a fome do corpo. A Atica, a liberdade e suas vindimas, o pão da alma ficarão para o futuro.

Nesse caso, só nos resta lamentar intimamente: "Nada disso existirá jamais ou só existirá para outros", e nos empenhamos a fundo para que esses outros, ao menos, não se vejam frustrados. Nós, que percebemos tudo isso com um sentimento de dor, tentando, entretanto, tudo aceitar com o coração isento de amargura, estaremos, pois, atrasados ou avançados demais? Teremos a força de fazer reviverem as urzes?
A essa indagação crescente de nosso século, pode-se imaginar qual seria a resposta de Prometeu. Na verdade, ele já a pronunciou. "Prometo-vos a reforma e a reparação, ó mortais, se fordes suficientemente hábeis, suficientemente virtuosos e suficientemente fortes para realizá-las com vossas próprias mãos." Então, e se é verdade que a salvação está em nossas mãos, minha resposta àquela pergunta seria afirmativa, por justificar-se na força madura e na coragem esclarecida cuja existência percebo sempre em certos homens que conheço. "Ó justiça, o minha mãe", exclama Prometeu, "vês o que me fazem sofrer". E Hermes escarnece o herói: "Espanta-me que, sendo divino, não tenhas previsto o suplício que sofres". "Eu sabia", responde o revel. Os homens a que me refiro são, também eles, filhos da justiça. Também eles sofrem a infelicidade de todos, tendo a exata noção de sua causa. Sabem perfeitamente que não existe justiça cega, que a história não tem olhos e que, portanto, é necessário rejeitar sua justiça, subs­tituindo-a, na medida do possível, por uma noção concebida pelo espírito. Ê nesse momento que Prometeu torna a entrar em nosso século.

Os mitos não têm vida por si mesmos. Aguardam que nós os encarnemos. Mesmo que um só homem no mundo responda ao seu apelo, é o bastante para nos oferecerem a seiva intacta. Nossa tarefa é a de preservar esse homem e de fazer com que seu sono não seja imortal, a fim de.que a ressurreição se torne possível. Por vezes duvIdo de que nos. seja dado salvar o homem ti.. nossos tempos. Mas ainda é possível salvar os filhos desse homem, em seus corpos e em seu espírito. É possível ofere­cer-lhes as oportunidades da felicidade e da beleza, a um só tempo. Se devemos resignar-nos a viver sem a beleza e a liberdade que ela implica, o mito de Prometeu está entre aqueles que nos farão lembrar que toda mutilação do homem não pode ser senão provisória e que ninguém mostra nada do homem se
ir não o apresenta por inteiro. Se ele tem fome de pão e de urzes e se é verdade que o pão é mais necessário, aprendamos então a preservar a lembrança das ur­zes. No coração mais sombrio da história, os homens de Prometeu, sem interromper seu penoso ofício, conservarão um olhar sobre a terra e sobre a relva incansável. O herói acorrentado, mesmo sob o raio e o trovão divinos, mantém inabalável sua fé no homem. Assim, ele é mais duro que sua rocha, mais paciente que seu abutre. Melhor do que a revolta contra os deuses, é essa longa obstinação que faz sentido para nós; e essa admirável vontade de não separar nem excluir nada que sempre reconciliou e reconciliará o coração dolorido dos homens e as primaveras do mundo.

domingo, 23 de novembro de 2008

DA VIDA CONCRETA


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

(Álvaro de Campos)

sábado, 22 de novembro de 2008

Lembranças


" (...) tenho medo de ter me tornado surda,
não poder ouvir o silêncio.
Sem silêncio, estou em apuros."
(Isabel Allende. In: A Soma dos Dias)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O Sol que peca ... LIBERDADE


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar? nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre,
bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa,
essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papeis pintados com tinta.
Estudar?
Uma coisa que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor,
quando há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia,
a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores,
música,
o luar, e o sol que peca
Só quando,
em vez de criar,
seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Estou precisando...



De vez en cuando hay que hacer
una pausa
contemplarse a sí mismo
sin la fruición cotidiana
examinar el pasado
rubro por rubro
etapa por etapa
baldosa por baldosa
y no llorarse las mentiras
sino cantarse las verdades.
(Mario Benedetti )

Sonhando...




O que eu queria?
... sair sem rumo,
e me perder no horizonte das estradas...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A VIDA É RENDEIRA...

FORÇA
Desmancha o nó,
tira a ferrugem,
espana o pó.
Empurra o pesado,
cola o quebrado,
abre o dobrado,
cerze o rompido,
coça a coceira,
gruda o trincado,
pensa o ardido
e faz brincadeira
do verso chorado;
que a vida é rendeira
de sedas ou trapos,
de rendas,
farrapos ou fios de algodão;
que a fibra é comprida
e o mundo artesão.

(Flora Figueiredo)






terça-feira, 18 de novembro de 2008

Acordar de manhã cedo ... acordar para a vida...

"Porque, às vezes, acordar tem lá suas muitas desvantagens."

(Clarice Lispector)


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Observo com assombro


Hoje só fotografei árvores,
Dez, cem, mil.
Vou revelá-las à noite.
Quando a alma for câmara escura.
Depois vou classificá-las:
Segundo as folhas,
os anéis dos troncos,
Segundo as suas sombras.
Ah, como as árvores
Entram facilmente umas nas outras!
Vejam, agora só me resta uma.
É esta que vou fotografar outra vez
E vou observar com assombro
Que se parece comigo.
Ontem só fotografei pedras.
E a pedra afinal
Parecia-se comigo.
Anteontem — cadeiras —
E a que resultou
Parecia-se comigo.
Todas as coisas se parecem terrivelmente
Comigo...
Tenho medo
(Marin Sorescu)

domingo, 16 de novembro de 2008

Reflexão para um final de domingo. Está na hora de rompermos "dogmas"



Dogmas

Os dogmas mais nocivos nem sequer são os que como tal foram expressamente enunciados, como é o caso dos dogmas religiosos, porque estes apelam à fé, e a fé não sabe nem pode discutir-se a si mesma.
O mal é que se tenha transformado em dogma laico o que, por sua própria natureza, nunca aspirou a tal. Marx, por exemplo, não dogmatizou, mas logo não faltaram pseudo-marxistas para converter O Capital em outra bíblia, trocando o pensamento activo pela glosa estéril ou pela interpretação viciosa. Viu-se o que aconteceu.
Um dia, se formos capazes de desfazer-nos dos antigos e férreos moldes, da pele velha que não nos deixou crescer, voltaremos a encontrar-nos com Marx: talvez uma “releitura marxista” do marxismo nos ajude a abrir caminhos mais generosos ao acto de pensar.
Que terá que começar por procurar resposta à pergunta fundamental: “Por que penso como penso?” Com outras palavras: “Que é a ideologia?”
Parecem perguntas de pouca monta e não creio que haja outras mais importantes…

Outro domingo! Que os poemas tragam paz...


Um Poema

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente, de coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar ao levantar,
ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza de que mal não te faz
E pode acontecer que te dê paz...

(Miguel Torga)

sábado, 15 de novembro de 2008

Eu a beira do vento


O amor é vermelho.
O ciúme é verde.
Meus olhos são verdes.
Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros.
Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu.
Eu, implorante, eu -
a que necessita,
a que pede,
a que chora,
a que lamenta.
Mas a que canta.
A que diz palavras.
Palavras ao vento?
Que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento.
O morro dos ventos uivante me chama.
Vou, bruxa que sou.
E transmuto ..."

(Clarice Lispector)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

... o existido continua a doer eternamente.

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor.
Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três.
E sou?
Tenho de mudar quando crescer?
Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser?
Dói?
É bom?
É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer? S
ou obrigado a?
Posso escolher?
Não dá para entender.
Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
(Carlos Drummond de Andrade)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A vida do jeito que ela é...




(...) a vida é tecelã imprevisível.
(Caio Fernando de Abreu)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Amanheçe...bebo Drummond e mastigo saudades...


Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Paciência



"Sê paciente;
espera que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça."
(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Dialogando com Clarice Lispector


"Onde aprender a odiar para não morrer de amor?"
(Clarice Lispector)

Sem perguntar o que eu sentia
Foi despejando suas palavras duras e frias
Nos intervalos, meticulosamente – planejado
Lançava um monossílabo de um ‘não’

Depois saiu rapidamente
Deixando aquele vazio
Aquele ar rarefeito
Aquele som de porta batendo

Tudo meticulosamente planejado
Até a porta batendo

domingo, 9 de novembro de 2008

Como se fosse um papel em branco


Carne rasgada sobre o papel de prata,
como infância sintática:
- Em mim a violência busca o amor.
Todo o verbo sangra,
o papel impresso, feito água, carne,
verborragia, chego à rouquidão,
tudo sangra.
Em mim a violência busca o branco,
como infância.
Como se esperasse que a velocidade se esgote,espero.
- Tudo será branco, água, sal.
Em mim a violência está na carne, busco-a,
continente imenso papel de prata, o mar.
- Tudo será branco.

(Luiz Gabriel Lopes)

sábado, 8 de novembro de 2008

(...)


"E, de qualquer forma, às cegas, às tontas, tenho feito o que acredito, do jeito talvez torto que sei fazer."
(Caio Fernando de Abreu)

(...) e neste caminho vou perdendo e tentando conter a sangria das feridas.

Entender o mundo é rasgar ilusões


A PRIMEIRA VEZ QUE ENTENDI

A primeira vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na infância
cortei o rabo de uma lagartixa
e ele continuou mexendo.
De lá pra cá
fui percebendo que as coisas permanecem
vivas e tortas
que o amor não acaba assim
que é difícil extirpar o mal pela raiz.

A segunda vez que entendi do mundo
alguma coisa
foi quando na adolescência me arrancaram
do lado esquerdo três certezas
e eu tive que seguir em frente.
De lá pra cá
aprendi a achar no escuro o rumo
e sou capaz de decifrar mensagens
seja nas nuvens
ou no grafite de qualquer muro.

(...) seja no silêncio da página em branco....

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Viva as válvulas de escape!


"Viva as válvulas de escape,
que lamentavelmente não gozam de boa reputacão.
Não sei quem inventou que é preciso ser a gente mesmo o tempo todo,
que não se pode diversificar.
Se fosse assim,
não existiria o teatro, o cinema,
a música, a escultura,
a pintura, a poesia,
tudo o que possibilita novas formas de expressão
além do script que a sociedade nos intima a seguir:
nascer-estudar-casar-ter filhos-trabalhar-e-morrer."
(Martha Medeiros)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Banco das Praças

" Eu vou ficar esperando
você numa tarde cinzenta de inverno
bem no meio de uma praça,
então os meus braços
não vão ser suficientes para abraçar você
e a minha voz vai querer dizer tanta
mas tanta coisa
que eu vou ficar calada um tempo enorme
só olhando você sem dizer nada
só olhando e pensando
meu deus mas como você me dói de vez em quando".
(Caio Fernando de Abreu)

Estou sem raíz


Atrás do pensamento atinjo um estado
Recuso-me a dividi-lo em palavras
E o que não posso e não quero exprimir
fica sendo Momento no qual não uso o pensamento
e é um momentâneo estado
que não usa mais palavras
com que se produzem pensamentos
Será que não usar palavras
seria perder a identidade
Seria se perder
nas essenciais trevas daninhas
Perco a identidade do mundo
em mim e existo sem garantias
raízes sonolentas
Vacilando nas escuridões
Recuso-me porém a qualquer missão
Não cumpro nada
Apenas vivo com achados e perdidos
São quase cinco horas da madrugada

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

As palavras capitulam


Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sífilítico
De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si
( mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário amante exemplar
(com cem modelos de cartas e as diferentes
(maneiras de agradar às mulheres,etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

(Manuel Bandeira)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Gira ... Sol


Conta a mitologia grega que
Clitia apaixonou-se pelo deus do Sol Apolo
e sem poder fazer nada,
observava-o cruzar o céu.
Após nove dias,
ela foi transformada em um girassol...

Acordei ... hoje é terça-feira

ECLIPSE

Tem dias em que
caio de boca em minha tristeza
mosaico de passado e lembranças
estilhaçando meu presente
e eu,
imersa nessa reza sem fim
nessa chaga sem cura
nesse eclipse de sombras em mim.
(Mara Faturi)


SAUDADES são peixes que rebrilham nas escamas da memória.
(Isabel Mendes Ferreira)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Caio Fernando de Abreu numa noite de domingo ...


Era isso — aquela outra vida,
inesperadamente misturada à minha,
olhando a minha opaca vida
com os mesmos olhos atentos
com que eu a olhava: uma pequena epifania.
Em seguida vieram o tempo,
a distância,
a poeira soprando.
Mas eu trouxe de lá a memória
de qualquer coisa macia
que tem me alimentado nestes dias
seguintes de ausência e fome.
Sobretudo à noite, aos domingos.
Recuperei um jeito de fumar
olhando para trás das janelas,
vendo o que ninguém veria.

"Só quero ir indo junto com as coisas,

ir sendo junto com elas,

ao mesmo tempo,

até um lugar que não sei onde fica,

e que você até pode chamar de morte,

mas eu chamo apenas de porto."

domingo, 2 de novembro de 2008

Domingo ... onde não vem ninguém


Aos domingos as ruas estão desertase parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio algremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.

É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
(António Gedeão)




(...) e junto com ele ... vem ausências, saudades e solidão...

sábado, 1 de novembro de 2008

As palavras precisam ser cultivadas


As palavras

As palavras germinaram por entre as pedras
que se soltaram dos meus pulsos dos meus braços
e agora são pérolas transformadas
que se sucedem como figuras solares
espessas como o sangue ou a seiva
de um fruto de Ariadne.

(Gisela Ramos Rosa)