segunda-feira, 27 de junho de 2011


Tem horas que eu me perco sem você aqui, aí eu lembro: tá tão longe de mim.
E o meu coração grita: mas tá aqui dentro.

(Caio Fernando de Abreu)

sexta-feira, 24 de junho de 2011



Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.

Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.

Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

(Affonso Romano de Sant'Anna)

domingo, 19 de junho de 2011



Conheço a residência da dor.
É num lugar afastado,
Sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
Com umas imensas vigílias, diante do céu.

A dor não tem nome,
Não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
Nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.

O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
Mas não é rosto de corpo,
Nem o seu espelho é do mundo.

Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência , longe,
em caminhos inesperados.

Às vezes sento-me em sua porta, na sombra das suas árvores.

E ouço dizer:
"Quem visse, como vês, a dor, já não sofria".
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

É tão vasto o silêncio da noite na montanha. É tão despovoado. Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo. Ou inventar um programa, frágil ponto que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Silêncio tão grande que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembranças de palavras. Se és morte, como te alcançar.
É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é a vida. Ou neve. Que é muda mas deixa rastro - tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. Não se pode dizer a ninguém como se diria da neve: sentiu o silêncio desta noite? Quem ouviu não diz.
A noite desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças de Berna adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas pedras do chão e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes as mais distantes.
Mas este primeiro silêncio ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.
Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da terra a lua alta. Então ele, o silêncio, aparece.
O coração bate ao reconhecê-lo.
[...]

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa: uma homenagem

O valor das coisas não está no tempo que elas duram,

mas na intensidade com que acontecem.

Por isso existem momentos inesquecíveis,

coisas inexplicáveis e

pessoas incomparáveis.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Fico pensando...

Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar

A gente se debate, busca, segura o fato com duas mãos sedentas e pensa: Achei! Achei!

Mas ele escorrega se espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça.

A gente fica só, outra vez, e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. Cada um que surge parece o último, mas todos são de barro, quebram-se antes que possamos reformular as perguntas.

E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano.

Um dia a gente chega à frente do espelho e descobre: Envelheci!

Então a busca termina. As perguntas colam no fundo da garganta, e vem a morte.

Que talvez seja a grande resposta.
A única.

(Caio Fernando de Abreu)

quarta-feira, 1 de junho de 2011

– Dito, eu às vezes tenho uma saudade de uma coisa que eu não sei o que é, nem de donde, me afrontando...

– Deve não, Miguilim, descarece. Fica todo olhando para a tristeza não... (...) A alegria do Dito em outras ocasiões valia, valia, feito rebrilho de ouro.

(Guimarães Rosa)