quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Feliz 2010



Que 2010 possa ser um ano cheio de poesia,
prazer,
saúde,
energia e
muita felicidade.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Vou com um passo ...

Vou com um passo como de ir parar
Pela rua vazia
Nem sinto como um mal ou mal-'star
A vaga chuva fria...

Vou pela noite da indistinta rua
Alheio a andar e a ser
E a chuva leve em minha face nua
Orvalha de esquecer ...

Sim, tudo esqueço.Pela noite sou
Noite também
E vagaroso eu ...] vou,
Fantasma de magia.

No vácuo que se forma de eu ser eu
E da noite ser triste
Meu ser existe sem que seja meu
E anônimo persiste ...

Qual é o instinto que fica esquecido
Entre o passeio e a rua?
Vou sob a chuva, amargo e diluído
E tenho a face nua.

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

I know not what tomorrow will bring.

[Não sei o que o amanhã trará.]

(Fernando Pessoa)

domingo, 27 de dezembro de 2009

Uma despedida - último domingo de 2009


Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias.
(Henriqueta Lisboa)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Outro Natal...



Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...

(Miguel Torga)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Deixar em liberdade

Soltas a sigla, o pássaro, o losango.
Também sabes deixar em liberdade
O roxo, qualquer azul e o vermelho.
Todas as cores podem aproximar-se
Quando um menino as conduz no sol
E cria a fosforescência:
A ordem que se desintegra
Forma outra ordem ajuntada
Ao real — este obscuro mito.

(Murilo Mendes)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Perder tempo comporta uma estética. Há, para os subtis nas sensações, um formulário da inércia que inclui receitas para todas as formas de lucidez.
A estratégia com que se luta com a noção das conveniências sociais, com os impulsos dos instintos, com as solicitações do sentimento exige um estudo que qualquer mero esteta não suporta fazer. A uma acurada etiologia dos escrúpulos deve seguir-se uma diagnose irónica das subserviências à normalidade. Há a cultivar, também, a agilidade contra as intrusões da vida; um cuidado deve couraçar-nos contra sentir as opiniões alheias, e uma mole indiferença encamar-nos a alma contra os golpes surdos da coexistência com os outros.

(Fernando Pessoa)

sábado, 19 de dezembro de 2009



Comecei a enumerar nos dedos
quem poderia sentir a minha falta:
sobraram dedos.
Todos estes que estou olhando agora...

(Caio Fernando de Abreu)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Lembranças



Há um rio que atravessa a casa. Esse rio, dizem,é o tempo. E as lembranças são peixes nadando ao invés da corrente. Acredito, sim, por educação. Mas não creio. Minhas lembranças são aves. A haver inundação é de céu, repleção de nuvem. Vos guio por essa nuvem, minha lembrança. (Mia Couto)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Hoje



Ando de um lado para outro, dentro de mim.
Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Faz parte


Não somos nem bons nem maus:
somos tristes. Plantados entre chão
e estrelas, lutamos com sangue,
pedras e paus, sonho
e arte.

Nem vida nem morte:
somos lúcida vertigem,
glória e danação. Somos gente:
dura tarefa.
Com sorte, aqui e ali ternura
faz parte.

(Lya Luft)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Calor do dia




Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Finais de ano



Precisava levar uma rosa para a professora.
Meus colegas carregavam arranjos dia sim dia não.
Menos eu, que amava desperfumando.

Uma rosa que fosse sapato de abelha,
barco de pássaro, cadarço de espinho.
Podia ser rosa apenas.
Com o talo do tamanho de uma gravata,
que não ultrapassasse o cinto.

Uma rosa ainda aspergida, luzindo,
joelho escapando da saia.

Arriscado tomá-la dos jardins e quintais.
Havia sempre um conhecido na janela.
Um amigo de parente. Um cachorro latindo.

Percorria o cemitério antes da escola,
para ganhar dois quarteirões de vento.
As ruas tortas e as camas
sem a pressa dos hospitais.
Os acenos entre as letras. O acento
de pedra para o lado errado. As datas
fotografando o tempo deitado.

Em nome de minha professora,
roubei várias rosas das lápides.
Larápio, mudava de túmulo.
O coração morrendo de vergonha.
Arrumava a folhagem do vaso para despistar,
como quem preenche a falta de um livro
distribuindo os que ficaram.

Todo ano que passa, estou
devendo uma rosa nova a um morto

(Fabrício Carpinejar)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Talvez



É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão direita,
Mas não o saudei, dizendo-lhe adeus,
Fiz sinal de gostar de o ver antes: mais nada.
(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Acordando para a realidade



Deteve o passo
e tombou
na água funda e misteriosa.

Na outra margem,
acordou
do pesadelo da vida.

(Helena Kolody)

domingo, 6 de dezembro de 2009

Domingos ... nunca domingos



Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles...
Domingo...
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo...
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —

Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo...
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Depois da primavera...



"País de Gales depois da primavera"

Vi um mar suspirando à tardinha
era um mar suspirando
à tardinha um mar

nada chorava e
todo violão adormecia só de cansaço

vi um mar à tardinha
suspirava como se suspirasse
à tardinha inarejando

se remexia o ar recém-ventado
re-inventado pelos suspiros do mar

vi à tardinha um mistério sem nenhum enigma
era um mar se espreguiçando por cima da areia

(Ana Cristina César)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Diálogo

- Sabe, eu tinha vontade, mamãe, de experimentar às vezes ficar doido.
- Mas pra quê? (Eu sei, eu sei o que você vai dizer, sei porque em mim o meu bisavô deve ter dito o mesmo, eu sei que é através de quinze gerações que uma só pessoa se forma, e que essa futura pessoa me usou para me atravessar e usará o filho de meu filho, assim como um pássaro pousado numa seta que vagarosamente avança.)
- Pra me libertar, assim eu ficava livre...
(Mas haverá a liberdade sem a prévia permissão da loucura. Nós ainda não podemos: somos apenas os gradativos passos dela, dessa pessoa que vem.)
(Clarice Lispector)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009



O mar jaz; gemem em segredo os ventos
Em Eolo cativos;
Só com as pontas do tridente as vastas
Águas franze Netuno;
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Inutilmente parecemos grandes.
Nada, no alheio mundo,
Nossa vista grandeza reconhece
Ou com razão nos serve.
Se aqui de um manso mar meu fundo indício
Três ondas o apagam,
Que me fará o mar que na atra praia
Ecoa de Saturno?

(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Para o dia de hoje



Depois de estar cansado de procurar
Aprendi a encontrar.
Depois de um vento me ter feito frente
Navego com todos os ventos.

(Friedrich Nietzsche)

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.

(Martha Medeiros)

domingo, 22 de novembro de 2009



O meu coração quebrou-se
Como um bocado de vidro
Quis viver e enganou-se...

(Fernando Pessoa)
Estás só. Ninguém o sabe.
Estás só.
Ninguém o sabe.
Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.
(Fernando Pessoa)

sábado, 21 de novembro de 2009

Sempre um engano...

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

(Fernando Pessoa)

Não troco a cadeira de balanço pelo divã. Com o ritmo e o balanço, falarei bem mais do que deitado.
(...)
Cadeira de balanço é movimento enternecido, um pedalinho dos ventos.

(Fabrício Carpinejar)

PS: ando trocando a cadeira de balanço pela rede...
O balanço da rede, uma revoada de pássaros num dia de vento.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009



A vida é cheia de obrigações
que a gente cumpre
por mais vontade que se tenha
de as infringir
deslavadamente.

(Machado de Assis)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Um modo de andar


Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu!
E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso que não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Hipocritamente imortais



Somos todos imortais. Teoricamente imortais, claro. Hipocritamente imortais. Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana, feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo. Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado. A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo 'clima', certa 'preparação'. Certa 'grandeza'. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando, sem nenhuma preparação, ela acontece de repente. E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também, invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo 'eterno') cotidiano. A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação, essa falsa eternidade. A morte e o amor. Porque o amor, como a morte, também existe - e da mesma forma, dissimulada. Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte - pois o amor também é uma espécie de morte (a morte da solidão, a morte do ego trancado, indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) - nos desarma. O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.
(Caio Fernando de Abreu)

terça-feira, 17 de novembro de 2009



Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto

(Ana Cristina César)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Lembranças, recordações e renovadas lutas




O valor das coisas não está no tempo que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso, existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.

(Fernando Pessoa )

Saudades



O que importa na vida é estar junto de quem se gosta.
Isso é a maior verdade do mundo...

(Clarice Lispector)

domingo, 15 de novembro de 2009





Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
Da humilde terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —
tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, por que não elas?
Somos contos contando contos, nada.

(Fernando Pessoa)

sábado, 14 de novembro de 2009



Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

(Miguel Torga)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009




Viajante do mar cavalgando ventos,
deixando um rasto de pássaros entre as nuvens.

(Li Bai)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

As repressarias da vida



O marinheiro encontrou o seu caminho no mar.
Mas uma noite, de repente,
o mar foi vazando, vazando,
até que secou completamente.

Seu barco, solitário
sobre o fundo do abismo,
torna-se uma coisa grotesca e sem sentido.

Estrangeiro entre os homens da terra,
caminha o marinheiro por estradas inúteis,
levando nos olhos um mistério verde
e na boca o amargor de tanto sal.

Contudo, nas noites de muito vento,
debruça-se na murada do tempo
e, enquanto espera o retorno do mar,
inaugura caminhos de cinza e de nada.

(Thiago de Mello)

domingo, 8 de novembro de 2009

A asa arde ...



Voar com a asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno,
quando o tempo
estava todo ao meu lado
e o que se chama passado, passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher entre um abismo,
o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde.
Voar, isso não dói.

(Paulo Leminski)

sábado, 7 de novembro de 2009

Solidão

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos em vão pela nossa alma.

(Chico Buarque)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Brevidades


No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
O moribundo passo.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009


Para vermos o azul olhamos o céu.
A terra é azul para quem olha do céu.
Azul será uma cor em si ou uma questão de distância?
Ou uma questão de grande nostalgia?
O inalcançável é sempre azul...

(Clarice Lispector)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Existir




Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 3 de novembro de 2009





Adoecer de nós a Natureza:
- Botar aflição nas pedras
[Como fez Rodin].

(Manoel de Barros)

domingo, 1 de novembro de 2009

Verde



Que bom não ser
Estando acordado!
Também em mim enverdecer
Em folhas dado!

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Ouvindo o mar



Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ambros e a luz
impura, até doer.


(Eugénio de Andrade)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

não sei do sol, sei do último vento


Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.
Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.
Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
(Alejandra Pizarnik)

domingo, 25 de outubro de 2009

Não digas nada!
Nem mesmo a verdade
Há tanta suavidade em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver...
Não digas nada
Deixa esquecer.
Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda essa viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada...
Mas ali fui feliz
Não digas nada.

(Fernando Pessoa)

sábado, 24 de outubro de 2009

Não sei sobre pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que minha solidão deveria ter asas.
(Alejandra Pizarnik)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

a mesma coisa variada em cópias iguais


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo ]
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um,
e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque ouço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Amanheceu


"Que tudo seja leve
de tal forma
que o tempo nunca leve."
(Alice Ruiz)

terça-feira, 20 de outubro de 2009


Eu me contradigo ?
Pois muito bem, eu me contradigo,
Sou amplo, contenho multidões.
(Walt Whitman)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Entardecer


Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele!
Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos ...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...
(Fernando Pessoa)

domingo, 18 de outubro de 2009


ópios
édens
analgésicos
não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer,
vai ser minha última obra.
(Paulo Leminski)

sábado, 17 de outubro de 2009


O açúcar se separou da fruta.
Ele envaidecia a terra.
Mastigou raízes.
(Fabício Carpinejar)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Eu tenho uma espécie de dever,
dever de sonhar,
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E, assim,
me construo a ouro e sedas,
em salas supostas,
invento palco,
cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.

(Fernando Pessoa)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Para o dia 15 de outubro


Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu,
nem doeu,
nem perturbou,
seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
natural como um dia mostrando tudo,
meu mestre,
meu coração não aprendeu a tua solenidade,
meu coração não aprendeu nada e nada,
meu coração está perdido.
(Fernando Pessoa)

É de manhã...




Estou melancólica.

É de manhã.

Mas conheço o segredo das manhãs puras.

E descanso na melancolia.


(Clarice Lispector)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Depois do inverno... a primavera...










Há uma primavera em cada vida: é preciso cantá-la assim florida... E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada que seja a minha noite uma alvorada, que me saiba perder... para me encontrar....

(Florbela Espanca)

Não te trouxe nenhum doce
nem presente
nenhum enfeite
nenhuma lembrança que fosse.
Quero ter as mãos vazias para o abraço
um grande abraço
maior que a noite
melhor que o dia.
(Alice Ruiz)