sábado, 6 de novembro de 2010

Tarde de sábado


"Me veio numa tarde de sábado. Não de agosto, como os antigos, embora comigo mesmo costumasse repetir que os agostos haviam invadido setembro, avançado sobre outubro até descobrir o novembro que ia em meio. Me veio numa tarde de sábado, em novembro. Em comum com os agostos de antes, a chuva. E bateu à porta, essa mesma que pintei inteira de amarelo para dar uma ilusão de luz às sombras desta casa. Tenho que ser preciso, tenho que refazer, e para isso preciso contar o que fazia antes.

Eu pintava os vidros das janelas com arabescos coloridos das tintas que saio às vezes para comprar. A casa é um pequeno sobrado com poucas vidraças, numa ruazinha toda feita de sobrados pequenos apertados entre outros sobrados pequenos, portanto, não há muitas vidraças, já que os dois lados estão inteiramente comprimidos entre duas outras casas. As vidraças da frente, na parte de baixo apenas uma janela e uma porta, dessas com um retângulo vertical de vidro, para que se possa ver o rosto de quem chega, antes de abri-la, estavam completamente pintadas. São formas quase sempre abstratas, uns círculos, uns triângulos, só de vez em quando intercaladas por outras mais precisas, um olho aberto, um peixe, uma estrela, em tons principalmente de roxo e amarelo.

Gosto de permanecer ali na sala em raros dias iluminados, sobretudo ao cair da tarde, quando os últimos raios de sol varam os vidros para espalhar cores sobre os objetos. São muitos objetos, tantos que freqüentemente penso que daqui a algum tempo será difícil movimentar-me aqui dentro, no espaço que se reduz, quase todos feitos por mim mesmo. Como já disse, pouco saio, uma certa renda sobre alguns imóveis deixados por meus pais me permite passar aqui dias inteiros, fazendo coisas com as mãos. Descobri faz algum tempo que as mãos se opõem à cabeça, e quando você movimenta aquelas, esta pode parar. Não sei se é uma grande descoberta, talvez não, mas de qualquer forma gosto quando a cabeça pára o maior tempo possível, caso contrário enche-se de temores, suspeitas, desejos, memórias e todas essas inutilidades que as cabeças guardam para deixar vir à tona quando as mãos estão desocupadas. Ocupo-as então, fazendo coisas que depois disponho pelos cantos. [...]".

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